quarta-feira, 11 de novembro de 2009

O processo de construção da ISO 26000



RESPONSABILIDADE SOCIAL

A ISO 26000 é a futura norma internacional de responsabilidade social que será lançada em 2010. Vem sendo desenvolvida pela International Organization for Standartization (ISO) - organização líder mundial em desenvolvimento de padrões e normas técnicas – através de um grupo de trabalho de Responsabilidade Social (WG), liderado pelo Brasil e pela Suécia

Ana Paula Grether Carvalho*Setembro 2009


O Brasil, através da ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas, e a Suécia, representada pelo SIS - Swedish Institute of Standardization são os países que lideram o grupo de trabalho internacional da International Organization for Standartization (ISO) responsável pelo desenvolvimento da futura norma internacional de responsabilidade social: a ISO 26000. A construção da ISO 26000 apresenta duas características inéditas. Pela primeira vez, um país em desenvolvimento está na liderança de um grupo de trabalho para a elaboração de uma norma técnica internacional no âmbito da ISO. Ainda, esse grupo de trabalho tem uma estrutura especial de funcionamento, da qual participam seis grupos de stakeholders: indústria, trabalhadores, consumidores, organizações não governamentais, governo e serviços de suporte de normalização, consultorias e instituições acadêmicas. Além, de multi-stakeholder, o grupo de trabalho é representado por cerca de 400 especialistas de cerca de 90 países. O processo de desenvolvimento da ISO 26000 começou em meados de 2002 quando o Comitê de Políticas aos Consumidores da ISO (COPOLCO) concluiu que a instituição poderia liderar o processo de desenvolvimento de padrões internacionais de responsabilidade social. No início de 2003 formou-se um conselho estratégico em responsabilidade social com representantes dos diversos stakeholders. Em 18 meses de trabalho e debates, o conselho concluiu que o trabalho de definição da norma de responsabilidade iria adiante a partir de algumas recomendações chaves. O documento base “The New Work Item Proposal” foi votado e estabelecido em Janeiro de 2005 e se constitui o documento base com as principais orientações para o desenvolvimento da nova norma. Este documento base define que o escopo da norma deve auxiliar organizações a atuar de forma socialmente responsável, através de conceitos, princípios e temas orientadores na operacionalização de responsabilidade social, identificação e engajamento com stakeholders. O objetivo da norma é promover terminologia comum na área de responsabilidade social e ser consiste e não estar em conflitos com tratados e convenções internacionais já ratificadas e outras normas da ISO. A partir desse documento base, estabeleceu-se que a norma será um padrão internacional de diretrizes de responsabilidade social, terá caráter de adesão voluntária e não se constituirá em sistema de gestão ou padrão normativo certificável. A ISO 26000, portanto, objetiva harmonizar as orientações de responsabilidade social já existentes, acordadas internacionalmente, estabelecendo uma melhor prática para responsabilidade social consistente com declarações relevantes e convenções das Nações Unidas, especialmente a declaração universal dos direitos humanos e as convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A diretriz normativa busca abranger conceitos aplicáveis a todos os tipos e portes de organizações, tanto em países desenvolvidos quanto em países em desenvolvimento. Os princípios de responsabilidade social estabelecidos na norma são: accountability (que significa a idéia de prestação de contas à sociedade), transparência, comportamento ético, respeito e consideração aos interesses dos stakeholders, cumprimento das leis e normas internacionais e universalidade dos direitos humanos. Os temas tratados na norma são: governança organizacional, direitos humanos, práticas de trabalho, meio ambiente, práticas justas de operação, questão dos consumidores e envolvimento comunitário e desenvolvimento. A atuação do grupo de trabalho internacional para construção da norma começou em 2005 e desde então já ocorreram 7 grandes reuniões internacionais, em diversas partes do mundo: em Salvador (Brasil) e Bangkok (Tailândia) em 2005, Lisboa (Portugal) em 2006, Sydney (Austrália) e Viena (Áustria) em 2007, Santiago (Chile) em 2008 e Quebec (Canadá) em 2009. Neste processo de construção da norma, além dos especialistas de 90 países participam 40 organizações Internacionais como: - Organização Internacional do Trabalho (OIT), - Pacto Global da ONU, Global Reporting Initiative (GRI), - Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômica (OECD), - Organização Mundial da Saúde (OMS), - Câmera Internacional do Comércio (ICC), - Associação Internacional de Conservação Ambiental da Indústria de Petróleo (IPIECA), - Conselho Mundial de Empresas para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD), - Consumidores Internacional, - Fórum Empresa, - Rede Interamericana, entre outras. Nota-se, portanto, que as mais relevantes organizações, redes e iniciativas do mundo, que discutem responsabilidade social e desenvolvimento sustentável, estão presentes e têm voz no processo. O método de trabalho é divisão de temas e clausulas por grupos e as decisões devem sair a partir de consenso das visões dos especialistas do grupo de trabalho internacional. Hoje, este grupo representa o maior fórum internacional de discussão de responsabilidade social no mundo. E, a partir do segundo semestre de 2010, a ISO 26000 deverá tornar-se a principal referência internacional em RS. Claro que um processo dessa magnitude não ocorre sem conflitos e divisão de opiniões. O processo não é fácil, e a construção de consenso entre os diferentes grupos de interesse, historicamente antagônicos, é um grande desafio. No entanto, traz, também, uma riqueza ao processo que refina conceitos analisados por diferentes ângulos e visões distintas. Após as sete reuniões internacionais, percebe-se que os principais conflitos entre os grupos de stakeholders foi equacionado e a norma está sem seu estágio final, a versão DIS (que representa a minuta da norma internacional) que circula para comentários e voto da pelos países-membro da ISO até fevereiro de 2010. Dois grandes questionamentos vêm a tona na discussão sobre a ISO 26000, principalmente entre as organizações empresariais. Primeiramente, a questão da não certificação. Questiona-se se uma norma não certificável, sem um selo, será mesmo utilizada. E segundo, como pequenas empresas que têm dificuldades diárias para viabilização de seu funcionamento poderão cumprir esses novos requisitos. Ambos os questionamentos, apesar de pertinentes, mostram um desconhecimento de muitas empresas sobre o próprio debate a respeito da responsabilidade social. A responsabilidade social não deve ser uma agenda apenas das empresas mas sim de toda a sociedade, envolvendo a parceria entre os atores sociais. Empresas precisam interagir com seus stakeholders ou partes interessadas. que incluem as comunidades do seu entorno, seus trabalhadores, investidores, imprensa, governo, organizações da sociedade civil. Assim como, cada uma dessas organizações deve interagir com suas partes interessadas, buscando parceria com demais instituições, isto é, precisam trabalhar o engajamento com dos seus próprios stakeholders. As organizações não-governamentais, por exemplo, precisam se relacionar com seus financiadores, apoiadores, beneficiários, comunidade local, governo, entre outros. Lembrando que a norma é voltada para todos os tipos de organização, as pequenas empresas enfrentaram desafios semelhantes ou até menores do que outras pequenas organizações (como algumas ONGs e associações, por exemplo) para implementar as diretrizes da ISO 26000. Quanto à questão da não-certificação, a proposta da ISO 26000 é ser um guia orientador sobre responsabilidade social, ou seja, uma diretriz normativa não-certificável. Seu objetivo é indicar o caminho a seguir, definindo conceito, princípios e temas. Logo, uma instituição que pretenda seguir a ISO 26000 terá que buscar a construção de responsabilidade social a partir de uma mobilização interna. E esse objetivo está expresso na própria definição de responsabilidade social da norma, a saber: “Responsabilidade de uma organização sobre os impactos de suas decisões e atividades na sociedade e no meio ambiente através de comportamento transparente e ético que: - contribua para o desenvolvimento sustentável, incluindo saúde e o bem estar da sociedade; - leve em conta a expectativa das partes interessadas; - esteja de acordo com as leis aplicáveis e consistente com as normas internacionais de comportamento e - esteja integrada através da organização e praticada nos relacionamentos desta”. Portanto, não será um processo de verificação externo ou um selo que comprovará a atuação socialmente responsável de uma empresa ou organização. Mas a mobilização e compromissos assumidos pela organização serão cobrados, verificados e reconhecidos pela sociedade. E a sociedade está se tornando cada vez mais questionadora, demandando das empresas e organizações transparência de suas atividades, prestação de contas e responsabilização por seus impactos. A atuação socialmente responsável está, portanto, na ordem do dia. A ISO 26000 vem contribuir para o processo de implementação da responsabilidade social tornando-se a orientação chave para todos os segmentos da sociedade.


REFERÊNCIAS: IS0 Participating in the future International Standard ISO 26000 on Social Responsibility, ISO Central Secretariat. ISBN 92-67- 10423-3 ISO 2006-04/3 000




*Ana Paula Grether Carvalho é Coordenadora do Balanço Social da Petrobras e expert de Indústria da Delegação Brasileira no grupo de trabalho internacional da ISO 26000
RESPONSABILIDADE SOCIAL

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