quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Responsabilidade Social Empresarial e o Terceiro Setor no Brasil

Por Sérgio Scaciotti
A emergência do Terceiro Setor no Brasil é fenômeno das últimas três décadas. Esta mobilização de recursos privados para fins públicos rompe com a tradição inversa e perversa representada pela apropriação privada dos recursos públicos.

Paradoxalmente, o fortalecimento da sociedade civil no Brasil deu-se no bojo da resistência à ditadura militar no momento em que o regime autoritário bloqueava a participação dos cidadãos na esfera pública, micro-iniciativas na base da sociedade foram inventando novos espaços de liberdade e reivindicação.

Falava-se, então, muito de Estado e pouco de Mercado. Repreensão política e dominação econômica se interpenetravam e se reforçavam mutuamente. Nesse contexto, a solidariedade sempre presente nas relações interpessoais, nas redes de vizinhança e ajuda mútua, inspira a ação de movimentos voltados para a melhoria da vida comunitária, defesa de direitos e luta pela democracia. E deste encontro da solidariedade com a cidadania que vão surgir e se multiplicar as organizações não-governamentais de caráter público.

A afirmação deste novo perfil participante e responsável da sociedade brasileira se traduz na busca de novas formas e articulação entre organizações do Terceiro Setor, órgãos governamentais e empresas.

Valorizar a co-responsabilidade dos cidadãos não significa tampouco eximir o Governo de suas responsabilidades. Significa isto sim, reconhecer que a parceria com a sociedade é que permite ampliar a mobilização de recursos para iniciativas de interse público. No mundo contemporâneo, a democracia como exercício cotidiano não é mais possível sem a presença e ação fiscalizadora dos cidadãos. O papel de uma sociedade informada e atuante não é o de esperar tudo do Estado. Cuidar junto parece, cada vez mais, como alternativa eficiente e democrática.

O que diferencia o Terceiro Setor da Responsabilidade Social Empresarial é o fato de que o primeiro, trata basicamente de ação social externa da empresa, tendo com beneficiário principal a comunidade em suas diversas formas (conselhos comunitários, organizações não governamentais, associações comunitárias, etc.) e organização. O Terceiro Setor abrange ações públicas que saem do domínio estatal, e passam a ser encampada por organizações da sociedade civil. É o surgimento da iniciativa privada com fins públicos, com o objetivo de combater grandes problemas do mundo atual, como a pobreza, violência, poluição, analfabetismo, racismo, dentre outros. São instituições com grande potencial de representatividade, podendo ser vistas como legítimas representantes dos interesses da sociedade civil.

O segundo por sua vez, foca a cadeia de negócios da empresa e engloba preocupações com um público maior (acionistas, funcionários, prestadores de serviços, fornecedores, consumidores, comunidade, governo e meio ambiente), cujas demandas e necessidades a empresa deve buscar entender e incorporar em seus negócios. Assim, a Responsabilidade Social Empresarial trata diretamente dos negócios da empresa e como ela os deve conduzir.

Para que a responsabilidade social exista é necessário, antes de tudo, que as técnicas e filosofias das empresas sejam repensadas, que o fim social não seja mascarado pelo desejo de lucro - lucro este que não deve ser um fim em si, e sim o viabilizador de uma atitude mais ética e responsável por parte da empresa .

O conceito de Responsabilidade Social Empresarial vem se consolidando como uma iniciativa interdisciplinar e associada a uma abordagem sistêmica, focada nas relações entre os públicos, ligados direta ou indiretamente ao negócio da empresa. Portanto, é imprescindível a sua incorporação à orientação estratégica da empresa, refletida em desafios éticos para as dimensões econômica, ambiental e social dos negócios.

A Responsabilidade Social Empresarial é um processo que nunca se esgota. Não dá para dizer que uma empresa chegou ao limite de sua responsabilidade social, pois sempre há algo a se fazer. Assim, o primeiro passo é a empresa fazer uma auto-avaliação que possa indicar onde é necessário melhorar suas políticas e práticas e, a partir daí, estabelecer um cronograma de ações que devem ser realizadas pela empresa. É um processo educativo.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Tesouraria do Terceiro Setor

Por Marcos Biasioli - Administradores.com.br

Recentemente o Ministério Público (MP) iniciou processo investigativo em algumas organizações sociais ante ao fato de perda econômica de ativo junto ao mercado financeiro por conta do último crash.

Algumas análises preliminares desse fato devem ser exploradas. A primeira refere-se à suscitação quanto a entidade ser uma instituição de direito privado e, por isso, não se admite a interferência do MP. A segunda aponta que o Código Civil limita a atuação do MP apenas quando se trata de fundações, já que, de acordo com o artigo 66, cabe a ele velar pelas associações e organizações religiosas, a princípio não sujeitas a tal ingerência.

A partir daí, cabe-nos refletir sobre tais pontos, destacando que a instituição social é uma entidade privada e, a princípio, não se presta a qualquer ingerência do Poder Público (PP), mormente do MP, perante a prerrogativa constitucional que expõe o artigo 5º, XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos; XVIII – a criação de associações e de cooperativas independe de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento.

Aliás, o princípio da liberdade econômica separado do interesse público produz de modo indireto benefício social, e esta era a teoria da ciência defendida por Adam Smith: “Todo indivíduo trabalha no sentido de fazer com que o rendimento anual da sociedade seja o maior possível. Na verdade, ele geralmente não tem intenção de promover o interesse público, nem sabe o quanto o promove.

Ao preferir dar sustento mais à atividade doméstica que à exterior, ele tem em vista apenas sua própria segurança; e, ao dirigir essa atividade de maneira que sua produção seja de maior valor possível, ele visa apenas seu próprio lucro. Ao buscar seu próprio interesse, frequentemente ele promove o da sociedade de maneira mais eficiente do que quando realmente tem a intenção de fazê-lo.”

Contudo, as entidades sociais complementam a ação do Estado e participam do orçamento público para tal, protraindo reforço econômico por meio de instrumentos contratuais com o PP, ou ainda por via indireta, diante da benesse fiscal da isenção e/ou da imunidade, deixam o confortável patamar do livre arbítrio para ingressar no rol do regramento da entidade público-privada.

Assim, o patrimônio do ente social se torna parte do patrimônio público, e ele deve atender ao fim social a que se destina, sob pena de conceder poderes indiretos ao MP de interferir na gestão econômica, ainda que a instituição não esteja estratificada sob a estrutura fundacional, conforme artigo 129: “São funções institucionais do Ministério Público: (...) III – promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais (...).”

Ultrapassada tal nuance de legitimidade, cabe elucidar os cuidados imprescindíveis com os ativos do ente social e os limites da responsabilidade diretiva.


Cuidados com os ativos da entidade social

Saindo da seara legal e partindo para discursiva, aprendi com minha avó, dona Matilde, o seguinte trocadilho: “Não adianta o homem colocar dinheiro para dentro de casa de caminhão se a mulher dele é descabeçada, pois com uma colher ela pode jogar tudo fora pela janela”. Com isso, traço um paralelo desta passagem com a direção econômica dos organismos sociais.

Dada a nossa expertise no convívio com a operação dos organismos sociais, vemos a preocupação quase única de alguns gestores com a sustentabilidade da obra e pela busca de ferramentas de comunicação e marketing social, e parcerias públicas e privadas, visando um certeiro aprouve econômico, a fim de manter e multiplicar a obra social. Dentro desta filosofia, muitas vezes se esquecem que quanto maior é a receita mais veloz funcionará a colher escoando o dinheiro pela janela se não houver foco na administração.

É sabido que o fato de boa parte dos dirigentes serem voluntários vindos do primeiro e segundo setores, que se reúnem periodicamente para o exame macro social e econômico da instituição, deixem à margem o exame micro econômico, expondo o patrimônio social da obra do bem, pois centralizam grandes decisões, mas desdenham daquelas menos importantes, e quando despertam a ruína está próxima.

O professor Eliseu Martins, em recente entrevista a um jornal, comentou: “Um advogado me falou que consta do Estatuto Social de uma empresa restrição para venda de bens na ordem de R$ 10 mil, mas não há qualquer restrição para aplicação de milhões em derivativos.” Fazendo uma associação entre essa ideia e o tema conexo à micro economia do ente social, é preciso que o candidato a dirigente primeiro saiba seus limites e responsabilidades, para depois aceitar o desafio.

Quem assume tal missão deve ter consciência de que a responsabilidade será maior que a vaidade, e por isso é preciso um plano de trabalho, com regras claras e objetivas. Os poderes cedidos ao gestor devem ser pautados com responsabilidade, balizando-os por meio de regimento interno, em especial no que tange aquele que lhe capacita a enfeixar a relação com o sistema bancário, inclusive e principalmente, quando se trata de guarda temporária de ativos.

É bom relembrar que foram dezenas, quiçá centenas, de entes que viram ruir economias e por consequência esvaziaram o fruto da mobilização de recursos na bolsa de valores, ante a aplicação de eventual superávit no mercado de ações, por meio de fundos ofertados pelo sistema bancário, o que deflagrou a ação do MP. E, indo mais longe, quantas outras que não observam o quanto é consumido de ativos do bem social, com o pagamento de tarifas e taxas, aplicações duvidosas e outras negociações financeiras de menor quilate, mas de grande reflexo no caixa se assomadas no tempo.

O que está em jogo não é a astúcia do tesoureiro, mas a filosofia da gestão, que se esquece de fechar o ralo, impor regras e diretrizes, e avaliações de riscos, bem como analisar as razões de escoamento das pequenas despesas.

Teoria Ultra Vires

Quando se trata de patrimônio privado, o prejuízo é risco próprio do negócio, mas quando se trata de patrimônio público-privado, a responsabilidade é maior, pois o gestor ocupa o papel de depositário da coisa pública, e o seu consumo lascivo implica em responsabilidade objetiva.

A extensão da responsabilização do gestor encontra base na teoria ultra vires societatis, do século 19, segundo a qual, se o administrador, ao praticar atos de gestão, violar o objeto social previsto no ato constitutivo, este ato ultra vires societatis não poderá ser atribuído à sociedade, sendo considerado inválido e sem eficácia.

A aplicação desta teoria tem sido afastada por grande parte dos países, pois se tem procurado prestigiar a proteção ao terceiro de boa-fé, adotando-se a teoria da aparência. No entanto, o Código Civil, em seu artigo 1015, parágrafo único, inciso III, acabou acolhendo essa teoria, sendo que o artigo seguinte prevê que os administradores respondem solidariamente perante à sociedade e aos terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções.

Conclusão

O fim social não está para o desperdício das quirelas e muito menos para a ganância econômica, e ainda que tivesse como pano de fundo o princípio do multiplicar para dividir, se prega prudência e responsabilidade com a coisa público-privada, em especial em momentos de turbulência. Até mesmo os ícones do atual capitalismo pregam pelo limítrofe. Warren Buffet, em entrevista ao The New Times, sentenciou: “Fique com medo quando os outros forem gananciosos; seja ganancioso quando os outros estiverem com medo”.

Assim, aproveitando a teoria de dona Matilde, não adianta esconder as colheres nem trancar as janelas, o melhor caminho é trocar a mulher, senão faltarão bancos no júri dos réus.


Marcos Biasioli - graduado em Direito e Administração de Empresas, pós-graduado em Direito Empresarial pela The European University e mestre em Direito Empresarial pela PUC/SP. É sócio da M.Biasioli Advogados, consultor jurídico do Terceiro Setor e editor da Revista Filantropia.


Como ter uma gestão sustentável no Terceiro Setor

Artigo publicado em SYNERGIA - Consultoria e Assessoria para o 3º Setor.
De Iber Pancrácio, Tiago Lage e Rodrigo Félix. Boa leitura!

http://gruposynergia.com.br

Desenvolvimento Institucional e Gerencial das Organizações do Terceiro Setor

05 de fevereiro de 2010 às 17:45
Por Iber Pancrácio, Tiago Lage e Rodrigo Gonçalves de Almeida Félix - Publicado em www.administradores.com.br

As organizações sem fins lucrativos que constituem o Terceiro Setor são alternativas para canalizar esforços da sociedade civil em prol da melhoria da qualidade de vida, tendo em vista o desenvolvimento social. Estas organizações emergiram através de uma nova conjuntura social, em que a complexidade dos problemas sociais impõe a necessidade de se desenvolver soluções diferenciadas que sejam capazes de reduzir a exclusão social e, conseqüentemente, construir uma sociedade mais justa.

No contexto atual, as organizações do Terceiro Setor adquiriram papéis importantes na sociedade, por atuarem de forma eficiente como prestadoras de serviços e também como agentes de mobilização social. No entanto, em conseqüência a essas aquisições, novos desafios emergiram. Segundo Falconer (apud CARVALHO, 2006), nas décadas de 1970 e 1980, os maiores desafios do Terceiro Setor eram, atuar em um ambiente que apresentava hostilidade política e que dificultava o reconhecimento e o crescimento dessas instituições. Porém, na década de 1990 a credibilidade e o reconhecimento do setor advêm a capacidade dessas instituições de promoverem mudanças sociais por meio de um trabalho desenvolvido pela própria sociedade.

Assim, com o reconhecimento destas organizações, frente às competências por elas apresentadas, fez-se emergir novas responsabilidades; dito de outro modo, a demanda que se aumentava por trabalhos eficazes e ações coordenadas, levava a necessidade destas organizações de se reestruturarem para adquirirem novas competências.

Nesse contexto, o desenvolvimento institucional e gerencial das organizações da sociedade civil, tornou-se assim unanimidade dentro do círculo de cooperação e de aprimoramento. No entanto, na busca por desenvolver novas competências nas organizações do terceiro setor, muito ainda se debate, programas de capacitação se realizam, recursos são desprendidos e muitas expectativas são criadas (ARMANI, 2000).

Atualmente, a maioria das Organizações sem fins lucrativos perceberam a importância de uma gestão eficaz, pois passaram a ter o conhecimento de que elas não sobrevivem apenas da boa vontade de poucos, mas sim, de formas de gestão voltadas para resultados, com definições de visão, missão, valores, desenvolvimento de lideranças, foco nas pessoas, no negócio e na busca pela sustentabilidade (DRUCKER, 1994).

Logo, para o alcance de uma gestão eficaz em busca da sustentabilidade, essas organizações necessitam de gestores, e esses necessitam de uma equipe que possuam competências para a gestão do negócio organizacional. Porém, grande parte dessas organizações não possui capital disponível para a remuneração desses profissionais, direcionando assim o recurso disponível para outros fins.

Assim, o gestor das organizações do terceiro setor, deverá direcionar seus esforços para integrar o ambiente externo ao interno, focando na atuação sinérgica entre entidades privadas e com fins lucrativos, organismos públicos e o terceiro setor, afim de, viabilizar o novo projeto de desenvolvimento, formulação e implementação de políticas públicas, em busca do desenvolvimento da sociedade.

Referências
ARMANI, Domingos. Sustentabilidade: desafio democrático. Disponível em: . Acesso em: 09 Abr. 2009.

CARVALHO, Débora Nacif de. Gestão e Sustentabilidade: um estudo multicasos em ONGs ambientalistas em Minas Gerais. Orientadores: Prof. Ivan Beck Ckagnazanoff Prof. Allan Claudius Queiroz Barbosa. Belo Horizonte, 2006. 157 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Centro de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, 2006.

DRUCKER, Peter Ferdinand. Administração de Organizações sem fins lucrativos: princípios e práticas. 4.ed. São Paulo: Pioneira, 1994.


SANTOS, Iber de Souza Pancrácio dos; Félix, Rodrigo Gonçalves de Almeida; Carvalho, Tiago Davi Lage. Gestão para a Sustentabilidade do terceiro setor: um estudo de caso comparativo entre duas organizações do terceiro setor da cidade de Itabirito-MG. Orientadores: Profa. Denise Capuchinho Nonatos Prof. Tarcísio Cláudio Teles Passos. Itabirito, 2009. 70 f. Projeto Empresarial (Trabalho de Conclusão de Curso) – Faculdade de Administração de Itabirito, 2009

Fonte: http://www.administradores.com.br/artigos/desenvolvimento_institucional_e_gerencial_das_organizacoes_do_terceiro_setor/38459/