sábado, 24 de setembro de 2011

Sugestão de indicadores de sustentabilidade - variáveis ao nível da organização

1. Capacidade de geração/captação de recursos em relação às necessidades (anuais ou trienais) de recursos da organização;


2. Índice de diversificação das fontes de apoio, tanto em número como no tipo de financiadores;


3. Proporção das receitas não-vinculadas (oriundas de geração própria e de apoios de caráter institucional) em relação às receitas vinculadas (apoios específicos a programas, projetos, etc.);


4. Grau de dependência em relação a recursos de origem internacional (supondo-se que, no longo prazo, a organização é tanto mais sustentável quanto maior for a proporção de recursos acessados no próprio país);


5. Nível e tipo de condições (políticas e técnico-gerenciais) e expectativas expressas pelo financiador (em relação à autonomia da ONG);


6. Densidade das relações com financiadores e grau de interlocução sobre tendências institucionais e escolhas estratégicas mútuas;


7. Grau de desenvolvimento e qualidade dos instrumentos de accountability e de demonstração de resultados da organização;


8. Nível de desenvolvimento institucional “interno”: (i) grau de relevância social contextualizada da missão e da estratégia de intervenção institucional; (ii) grau de compartilhamento da identidade e da missão e/ou nível de tensões e conflitos; (iii) grau de estabilidade e efetividade das estruturas e modos de governança institucionais; (iv) capacidade e parâmetros para gestão estratégica (sistema de PMA, instrumentos gerenciais, etc.), e (v) perfil ético-político, qualificação técnica e índice de rotatividade dos recursos humanos;


9. Nível de desenvolvimento institucional “ampliado”: (i) credibilidade (e grau de conhecimento) da organização perante seu público beneficiário, movimentos sociais, órgãos públicos, outras ONGs, fundações sociais, universidades, empresas, agências de cooperação, etc.; (ii) capacidade para deflagrar e/ou influenciar processos de mobilização social e de impactar a agenda pública e as políticas públicas, e (iii) capacidade para estabelecer diálogo, parcerias e trabalho conjunto com outras instituições;


10. Indicadores de sustentabilidade – variáveis ao nível do conjunto do setor ONG;


11. Grau de credibilidade associado às ONGs como setor em nível nacional e internacional;


12. Grau de iniciativa e participação do setor na interlocução pública sobre seu marco legal e sobre as formas de apoio públicas e privadas ao setor ONG no país;


13. Grau de desenvolvimento e amadurecimento da legislação específica sobre apoio a ONGs;


14. Capacidade das ONGs enquanto “campo” de dialogar e influenciar as concepções, políticas e modalidades de apoio dos financiadores internacionais e nacionais;


15. Grau de aceitação por parte da legislação específica (especialmente a legislação referente às OSCIPs – Organizações da Sociedade Civil e Interesse Público) e por parte dos governos (federal, estaduais e municipais) de que as ONGs devem manter se como sujeitos políticos autônomos, mesmo quando apoiadas com recursos públicos;


16. Qualidade dos padrões e instrumentos de controle social público sobre as ONGs financiadas por recursos públicos;


17. Novas iniciativas para a sustentabilidade;


Dada a análise acima, indicam-se algumas iniciativas que podem contribuir para fazer avançar a sustentabilidade macro-social das ONGs brasileiras, sejam elas tomadas pelas redes de ONGs ou mesmo pelo novo governo. São elas:


1. Dar curso e ampliar o processo de diálogo nacional sobre o marco legal do Terceiro Setor visando a proposição de um marco legal mais ampla e cuidadosamente debatido, mais completo, mais adequado às especificidades das ONGs, mais apto a tratar de forma diferenciada os diferentes tipos de organizações do Terceiro Setor, e que seja uma legislação mais claramente resultante de um debate público sobre o papel esperado das ONGs no desenvolvimento nacional.


2. A atual lei das OSCIPs é aqui ponto de partida fundamental;


3. Articular-se um processo de diálogo entre ONGs e as empresas e fundações empresariais, visando tematizar as políticas, estratégias e mecanismos de seleção e apoio a organizações da sociedade civil, de forma a avaliar a experiência até aqui desenvolvida e dela extrair lições para o futuro, buscando-se ainda constituir um espaço de reflexão sobre os fundamentos e o alcance das iniciativas privadas na área social e suas implicações para o setor não-governamental no Brasil.


4. Abrir um fórum de diálogo governo federal – organizações da sociedade civil – agências (não-governamentais e governamentais/multilaterais) de cooperação ao desenvolvimento visando construir parâmetros mais compartilhados e complementares de apoio a organizações da sociedade civil;


5. Articular-se um espaço de interlocução e de troca de experiências entre instituições e universidades que vêm desenvolvendo programas de assessoria e capacitação de ONGs, de forma a estimular-se a ampliação do atendimento em nível nacional, a elevação da qualidade, as complementaridades e a eventual sinergia entre muitas destas iniciativas;


6. Por fim, outra iniciativa oportuna seria que as próprias ONGs pactuassem e oferecessem à sociedade uma espécie de “código de ética” do setor, com o que, ganhariam maior credibilidade e se diferenciariam de um tipo de organização da sociedade civil que não se orienta por uma ética social-pública.
Com estas e outras iniciativas desta natureza se estaria favorecendo espaços e processos de interlocução que privilegiariam não apenas a dimensão técnico-gerencial da sustentabilidade, mas também, e acima de tudo, o necessário debate público sobre o valor social e os limites da contribuição das ONGs ao combate à pobreza, às desigualdades e à promoção de um desenvolvimento estimulador da justiça e da democracia.


Domingos Armani

Decreto Federal nº119-A de 07/01/1890 - Das Organizações Religiosas

Prohibe a intervenção da autoridade federal e dos Estados federados em materia religiosa, consagra a plena liberdade de cultos, extingue o padroado e estabelece outras providencias.


O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisorio da Republica dos Estados Unidos do Brasil, constituido pelo Exercito e Armada, em nome da Nação,

decreta:

Art. 1º E' prohibido á autoridade federal, assim como á dos Estados federados, expedir leis, regulamentos, ou actos administrativos, estabelecendo alguma religião, ou vedando-a, e crear differenças entre os habitantes do paiz, ou nos serviços sustentados á custa do orçamento, por motivo de crenças, ou opiniões philosophicas ou religiosas.

Art. 2º a todas as confissões religiosas pertence por igual a faculdade de exercerem o seu culto, regerem-se segundo a sua fé e não serem contrariadas nos actos particulares ou publicos, que interessem o exercicio deste decreto.

Art. 3º A liberdade aqui instituida abrange não só os individuos nos actos individuaes, sinão tabem as igrejas, associações e institutos em que se acharem agremiados; cabendo a todos o pleno direito de se constituirem e viverem collectivamente, segundo o seu credo e a sua disciplina, sem intervenção do poder publico.

Art. 4º Fica extincto o padroado com todas as suas instituições, recursos e prerogativas.

Art. 5º A todas as igrejas e confissões religiosas se reconhece a personalidade juridica, para adquirirem bens e os administrarem, sob os limites postos pelas leis concernentes á propriedade de mão-morta, mantendo-se a cada uma o dominio de seus haveres actuaes, bem como dos seus edificios de culto.

Art. 6º O Governo Federal continúa a prover á congrua, sustentação dos actuaes serventuarios do culto catholico e subvencionará por anno as cadeiras dos seminarios; ficando livre a cada Estado o arbitrio de manter os futuros ministros desse ou de outro culto, sem contravenção do disposto nos artigos antecedentes.

Art. 7º Revogam-se as disposições em contrario.

Sala das sessões do Governo Provisorio, 7 de janeiro de 1890, 2° da Republica.

Manoel Deodoro da Fonseca.
Aristides da Silveira Lobo.
Ruy Barbosa.
Benjamin Constant Botelho de Magalhães.
Eduardo Wandenkolk. - M. Ferraz de Campos Salles.
Demetrio Nunes Ribeiro.
Q. Bocayuva.

PUB CLBR 1890 V001 PÁG 000010 COL 1 Coleção de Leis do Brasil

Mobilizar recursos financeiros e humanos

As organizações do Terceiro Setor, Associações e Fundações, visam produzir desenvolvimento e benefícios para fins públicos, por isso não tem o lucro como seu objetivo. Ainda que possam implementar atividades de geração de renda.


Os financiadores, o Governo e as empresas, buscam investir os seus recursos em projetos que, com duração determinada e a partir de uma avaliação, podem indicar para o apoiador os resultados diretos que seu investimento proporcionou.
Captação ou mobilização de recursos é um termo utilizado para descrever um leque de atividades de geração de recursos realizadas por organizações sem fins lucrativos em apoio à sua finalidade principal, independente da fonte ou do método utilizado para gerá-los.
“Mobilizar recursos” não diz respeito apenas a assegurar recursos novos ou adicionais, mas também à otimização (como fazer melhor uso) dos recursos existentes (aumento da eficácia e eficiência dos planos),
à conquista de novas parcerias e à obtenção de fontes alternativas de recursos financeiros.


É importante lembrar que o termo “recursos” refere-se a recursos financeiros ou “fundos” mas também a pessoas (recursos humanos), materiais e serviços.
Entre as três principais fontes de renda identificadas pela maioria das organizações sem fins lucrativos podem ser citadas:



a. Recursos governamentais;
b. Renda gerada pela venda de serviços (por exemplo, consultorias) ou produtos (camisetas, chaveiros, agendas etc.); e,
c. Recursos captados através de doações (de indivíduos ou instituições).



Neste trabalho, a captação de recursos tem como foco principal o contexto do terceiro tipo de fonte de recursos mencionadas anteriormente, ou seja, atividades realizadas por organizações sem fins lucrativos com o objetivo de gerar renda fora do âmbito governamental e a partir do apoio financeiro dado livremente por pessoas e instituições que reconhecem o trabalho que a organização realiza.
Captar recursos não traz apenas dinheiro, também promove a organização e aumenta o apoio da comunidade. A maioria das organizações sem fins lucrativos não acha que é seu perfil ser empreendedora. Entretanto, uma abordagem mais empreendedora pode ser de grande vantagem para entidades sem fins lucrativos e as causas que apóiam. Significa contato com a comunidade, divulgação, conquista de apoio e sensibilização. Muitas entidades são quase desconhecidas fora de seu círculo imediato e seu público beneficiário.


À medida que os doadores passam a conhecer melhor a organização, seu grau de interesse pode aumentar tanto que gostariam de doar tempo como voluntários, o que é uma vantagem adicional.
Receber um investimento indica que alguém de fora tem uma boa impressão do trabalho da organização e está disposto a investir no seu sucesso. Isso pode melhorar sua credibilidade junto a empresas locais, pessoas com o potencial de fazer doações grandes e outras fundações. Os críticos ao trabalho desenvolvido pela organização podem rever suas posições.
Alguns investimentos proporcionam recursos para parte de um projeto, desde que se consiga captar o restante de outras fontes. O propósito desse tipo de financiamento é ajudar a organização a mobilizar mais recursos. Também ajuda muito a incentivar doações de pessoas físicas.
Antes de iniciar qualquer programa mais intenso de captação de recursos, é preciso debater internamente na organização os objetivos, linhas de ação e restrições em relação aos diferentes tipos de doador, institucionais ou individuais. O debate sobre “com quem captamos recursos” é um dos pontos iniciais. É fundamental para as organizações manter sua autonomia em relação ao doador.
As empresas, por outro lado, são de interesse privado e têm como objetivo prioritário gerar lucro para seus acionistas e não para promover causas de caráter público. Por isso, conseguir o apoio delas pode ser muito mais difícil, mas não impossível. Contudo, é necessário que a organização tenha cautela antes de formar uma parceria com uma empresa.

Algumas perguntas que devem ser feitas antes de definir uma parceria com uma empresa:

• Os produtos que a empresa vende comprometem a missão da organização? (por exemplo, uma organização que atua na área de saúde X uma empresa de cigarros);
• Se a empresa se tornar objeto de questionamentos pelo público, a sua organização estará disposta a defendê-la publicamente?
• A organização terá liberdade de trabalhar com os concorrentes da empresa? Em muitos casos, a exclusividade pode significar a impossibilidade de se chegar a um acordo.
• Até que ponto a organização terá controle sobre informações contidas em campanhas junto ao público?
• A organização aceita fazer constar o logo e as marcas da empresa em suas publicações?
• O fato de a marca constar nas publicações da organização vai comprometer a clareza como é percebida?
• O orçamento vai cobrir todas as despesas reais da organização no seu envolvimento na atividade?
• A organização será capaz de explicar o porquê da escolha para a população beneficiária da organização?
• O trabalho que a empresa está propondo está em consonância com a missão da organização?
• O que a organização se recusaria a fazer?
• A divulgação que está sendo proposta pela empresa é compatível com o valor da doação?
• Por quais motivos, se tiver, a organização recusaria dinheiro de uma empresa?

Alguns aspectos são importantes estarem delineados nas organizações sem fins lucrativos, antes da busca de financiadores, como:



1. Ter o entendimento do motivo da proposta da arrecadação do dinheiro. É determinada pela natureza da necessidade que a organização atende, o tamanho da necessidade e a meta da campanha resultante, e a história, visibilidade e credibilidade que a organização e sua campanha têm na comunidade;

2. Identificar pessoas pessoas e instituições que a organização considera ter o potencial de tornarem-se apoiadores de seu trabalho;

3. A natureza da base de voluntariado da organização;

4. A experiência e as habilidades de funcionários envolvidos na captação de recursos;

5. O histórico de sucesso de captação de recursos obtido pela organização.

O plano de captação de recursos deve levar todos esses fatores em consideração, junto com os resultados da análise FOFA – Fortalezas e Fragilidades internas – e Oportunidades e Ameaças, para determinar como os recursos vão ser captados dos vários doadores, de doadores em potencial e de áreas de doação em potencial identificados nas etapas anteriores do processo.




A respeito do Terceiro Setor - Oportunidade para o Administrador

Trecho do artigo: A carreira do administrador em Organizações do Terceiro Setor por David Alberto Beker Jordan.


As organizações sem fins lucrativos possuem crescentes papéis políticos, econômicos e sociais. Elas adquirem importância na provisão de serviços sociais para a população, uma vez que o Estado não consegue provê-la de todos. Logo, representam uma possibilidade de mudança social para aumentar a qualidade de vida das pessoas.

Alguns pontos positivos dessas organizações são a possibilidade de mudança social, a possibilidade de as pessoas trabalharem em prol de uma causa social, o espírito de solidariedade que existe dentro dessas organizações, o espírito de crescimento em conjunto e de participação, o ambiente de trabalho agradável e o fato de que essas organizações não são burocráticas. Alguns pontos negativos são a probabilidade de que elas passem a depender do setor público e até mesmo do setor privado em virtude da falta de recursos, a falta de organização interna e o fato de que algumas organizações não realizam prestação de contas.

Essas organizações apresentam alguns valores bastante positivos, como transparência, solidariedade e gestão participativa.

A quantidade e o tamanho das organizações sem fins lucrativos estão aumentando a cada dia e, com isso, elas estão contratando um número cada vez maior de profissionais. Enquanto o Estado e o setor privado lucrativo realizam cortes e enxugamento no quadro de funcionários, as organizações sem fins lucrativos não param de contratar.

Uma característica importante das pessoas que trabalham nessas organizações é a vontade e o empenho em ajudar os outros, o que proporciona um aumento na qualidade de vida das pessoas. Nessas organizações, ainda existe muito trabalho voluntário, porém cada vez mais elas estão se profissionalizando.

Conforme o tipo de entidade, diferentes especializações profissionais são requeridas. Por exemplo, uma entidade de ajuda médica necessita de médicos e enfermeiros e assim por diante.

Com o crescimento dessas organizações, surge a necessidade de contratar um profissional que se encarregue da gestão dos recursos financeiros, materiais e humanos, além da organização das atividades, para que seja executado o maior número de projetos possíveis. Esse profissional possui o perfil de um administrador.

Um administrador de organizações sem fins lucrativos não deve estar preocupado somente com o seu retorno econômico, mas também em ajudar ao próximo.

Nessas organizações, ao contrário das organizações com fins lucrativos, não existe competição entre as pessoas; o que existe é competição para realizar o maior número de projetos possíveis, ou seja, todos trabalham juntos para executar projetos que ajudem a população. Logo, um administrador de organizações sem fins lucrativos também deve saber trabalhar em equipe.

Um outro papel que pode ser exercido pelo administrador é o de captar recursos. As organizações sem fins lucrativos devem possuir uma constante e segura captação de recursos para que possam cumprir os seus objetivos.

Muitas universidades de administração já possuem cursos e matérias para preparar o administrador para o trabalho nessas organizações. A Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas oferece matérias optativas no curso de Administração de Empresas sobre administração de organizações sem fins lucrativos. Além disso, a Escola possui um curso do Programa de Educação Continuada que visa atender profissionais que já estão trabalhando na área.

As universidades também possuem o papel de formar administradores socialmente responsáveis, que não se preocupem somente com o retorno financeiro.

Quanto aos salários nessas organizações, pode-se notar que estão sendo aumentados e que, por mais que estejam ainda de 15% a 25% mais baixos que os das organizações com fins lucrativos, a tendência é que subam cada vez mais.

É possível concluir que o Terceiro Setor ainda tem muito para crescer, em tamanho, em conhecimento, em profissionalização, em número de funcionários contratados e principalmente em número de pessoas atendidas, em número de projetos executados com sucesso e também no aumento da qualidade de vida da população. Logo, cada vez mais profissionais, dentre eles administradores, serão contratados por essas organizações e conseqüentemente o Terceiro Setor será um campo que constituirá uma ótima oportunidade de carreira para esses profissionais.

Pensamento Sistêmico - Enxergando o Todo

O pensamento sistêmico objetiva enxergar o todo, detectar padrões e interrelacionamentos e aprender a reestruturar essas inter-relações de forma mais harmoniosa. Os círculos de causalidade constituem a ferramenta principal do pensamento sistêmico. De acordo com esta visão, o mundo opera em circuitos de retroalimentação de reforço e balanceamento. O movimento desses ciclos em conjunto é considerado o comportamento geral do fenômeno ou evento sendo investigado.


CONCEITOS BÁSICOS DO PENSAMENTO SISTÊMICO

Os sistemas são construídos de estruturas. A estrutura é a maneira na qual os componentes do sistema estão inter-relacionados como um todo, ou seja, é a organização do sistema. A organização consiste mais em inter-relacionamentos do que em objetos do sistema em si, por isso, a estrutura é invisível. Apesar da dificuldade de enxergá-las, é possível compreender a importância de estruturas por meio do conceito “Estrutura/Padrões/Eventos”.
Eventos - são os rápidos acontecimentos cotidianos que compõem o enfoque principal de um mundo globalizado, sujeito a mudanças constantes. A habilidade de perceber e entender eventos tão rápidos é parecida com tirar e observar fotografias das ocorrências, pois assim, consegue-se congelar os momentos assim que acontecem.

Padrões - são as tendências de mudanças dos eventos no transcorrer do tempo. A compreensão dos padrões que caracterizam uma série de eventos é um nível mais profundo do pensamento sistêmico em relação à mera observação momentânea.
Estrutura - é a base porque significa a compreensão ainda mais profunda da organização do sistema em questão. É uma explicação da organização em termos dos inter-relacionamentos do sistema. Estes inter-relacionamentos podem ser desenhados nos chamados “círculos de causalidade”.
Cada nível apresentado permite um grau relativo de gerenciamento. Na maioria dos casos, os administradores estão limitados a reagir aos eventos. Entretanto, há mais liberdade de ação em adaptar-se aos padrões e, ainda mais, ao criar transformações por meio das estruturas. É no nível das estruturas que o administrador encontra maior poder de mudança sobre sua instituição. O gerente inteligente saberá, a cada nível, atuar ou utilizar técnicas que afetam
simultaneamente os três.


PENSAMENTO SISTÊMICO E MODELAGEM

Os métodos de diagnóstico sistêmico podem ser aplicados em um amplo campo de problemas físicos e sociais, incluindo questões de ambiência. Senge (1990) descreve o pensamento sistêmico como uma abordagem desenvolvida para enxergar um problema como um conjunto completo formado pelas conexões e variáveis em uma ou mais voltas de retroalimentação, seja de reforço (R) ou de balanceamento (B).
Estes volteios podem ser desenhados como diagramas esquemáticos (ou seja, figuras que representam não a forma dos objetos, mas as suas relações e funções). Tais desenhos se chamam “círculos de causalidade” e o conjunto desses círculos é chamado “diagrama de influência”.
Os círculos de causalidade consistem de variáveis (que podem aumentar ou diminuir no decorrer do tempo) interligadas por conectores (arcos com setas que indicam direção ou sentido de causalidade). Há duas possíveis relações entre as variáveis: na primeira, uma variável aumenta (ou diminui) enquanto a outra também aumenta (ou diminui). Alternativamente, na segunda situação, uma variável aumenta (ou diminui) enquanto a outra diminui (ou aumenta). No primeiro caso, o sinal é positivo (“+”); no segundo, negativo (“-“).
O gerente deve usar processos de aprendizagem colaborativa para resolver junto com sua equipe os desafios institucionais, e não por meio de comando e controle. Uma vez capacitada em pensamento sistêmico, a equipe conseguirá identificar as principais variáveis e o padrão de inter-relacionamentos sistêmicos que constituem o problema. Quando todos alcançarem a mesma percepção, deverão decidir quais são os “pontos de alavancagem” dentro do modelo para aplicar soluções eficazes. A listagem e priorização desses pontos de atuação conjunta para resolver os desafios detectados constituem-se no planejamento estratégico do sistema. São ações promotoras de mudanças efetivas da situação em que se encontra a organização.
Muitas vezes, o conjunto completo mostra um comportamento problemático e sistêmico que pode ser encontrado em muitas outras situações. Essa repetição de padrões pode ser modelada por meio de arquétipos. Por sua vez, esses arquétipos podem servir, da maneira descrita a seguir, como pontos de partido para diagnosticar sistemas.


OS ARQUÉTIPOS DE SISTEMAS
Os pensadores sistêmicos, principalmente do grupo associado ao Instituto de Tecnologia de Massachusetts, têm formulado oito arquétipos (Senge, 1990). Cada um é representado por um círculo de causalidade que retrata uma “história” comum que ocorre quando certos ingredientes ou variáveis começam a interagir de uma maneira normalmente problemática. Os arquétipos representam o desencadeamento de um comportamento estrutural que costuma seguir uma dinâmica padronizada, independentemente da situação física ou social em que ocorrem. Esses cenários podem ser bastante diversos, desde inter-relacionamentos familiares até situações cotidianas que ocorrem no local de trabalho. Muitas vezes, os problemas que parecem, à primeira vista, ser únicos acabam sendo causados pela mesma estrutura sistêmica, o arquétipo.
Os oito arquétipos podem ser utilizados para descrever e diagnosticar situações de gestão ambiental, visando o melhoramento do gerenciamento.
A relação seguinte descreve os oito arquétipos convencionais e os círculos de causalidade correspondentes.
Consertos que Pipocam – Todos nós somos forçados, de vez em quando, a atuar como “bombeiros”, recorrendo a táticas de caráter temporário para lidar com problemas urgentes. Muitas vezes, a tática aplicada é precária, o conserto sendo um “quebra galho”. É capaz de aliviar os sintomas do problema, mas, na maioria das vezes, a “solução sintomática” não atende às suas verdadeiras causas. Ao contrário, costuma agravar o problema devido às conseqüências não-intencionais associadas ao “quebra galho”.
Transferindo o Fardo – Muito parecido com “Consertos que Pipocam”, este modelo descreve a seguinte escolha gerencial: ao ser confrontado com os sinais óbvios da existência de um problema, podem-se tratar tais sintomas de duas maneiras:


1) aplicar uma solução sintomática (o que normalmente não se comprova satisfatório porque se limita a atender aspectos superficiais e reduz a pressão para implantação de uma solução mais duradoura), ou;

2) aplicar uma solução fundamental (essa é a melhor escolha porque vai à raiz do problema).


Metas a Deriva – Uma vez estabelecida uma meta, pode ser difícil mantê-la. Mesmo havendo esforços para cumprir o marco, pode surgir uma lacuna ou brecha entre o ideal almejado e a situação real. O gerente tem duas alternativas: a lacuna pode ser eliminada por meio de ações corretivas, visando o cumprimento do alvo original (a melhor escolha). A outra opção é ofuscar o desvio do ideal por meio de um rebaixamento da meta (esta decisão resultará numa eventual deterioração da situação do sistema em geral).
Sucesso para o Bem-Sucedido – Se para uma pessoa ou grupo (Parte A) fossem alocados mais recursos que para outra pessoa ou grupo igualmente capaz (Parte B), o recipiente, ou recipientes, originalmente mais beneficiados normalmente se sairão melhor (lograr um sucesso maior) que a outra parte. E, em alocações futuras, a Parte A continuará reforçando sua situação privilegiada, aproveitando cada vez mais a vantagem obtida inicialmente.
Escalada – Novamente, é um caso com duas partes numa situação de competição. Entretanto, desta vez, as ações da Parte A não são somente enxergadas pela Parte B como ameaçadoras, mas provocam, também, uma ação vingativa e semelhante feita pela Parte B. Isso cria entre as duas partes um efeito reforçador na forma de um “8” que pode crescer exponencialmente no futuro.
Limites ao Crescimento – Um dos postulados fundamentais do pensamento sistêmico afirma que nada pode crescer para sempre. Em alguma instância no ciclo de crescimento, algum fator limitante interferirá com o processo de reforço. O sistema normalmente sinaliza com bastante clareza quando se está aproximando seu limite. Mesmo fazendo esforços para manter o ritmo anterior de crescimento, tais tentativas serão em vão, devido à nova dinâmica de balanceamento.
Crescimento e Sub-investimento – Este arquétipo é uma extensão do arquétipo anterior porque descreve uma dinâmica que acontece, muitas vezes, ao enfrentar Limites ao Crescimento. Ele afirma que os fatores limitantes podem ser alterados se os responsáveis fizerem investimentos para aumentar a capacidade do sistema.
Entretanto, se não reagirem com rapidez, o sistema chegará aos seus limites. Ao invés de fazer novos investimentos, muitos gerentes escolhem a solução mais fácil para reduzir as metas de desempenho. Isso desencadeia um espiral descente porque o abaixamento de metas resulta numa diminuição das expectativas de modo geral. Por sua vez, isso reduz ainda mais a percepção da necessidade de fazer novos investimentos. A dinâmica inteira se torna um círculo vicioso semelhante ao dilema já descrito anteriormente como Metas a Deriva.
Tragédia da Propriedade em Comum – Se o uso total de um recurso de propriedade comum ultrapassar a capacidade de sustentação do sistema, tal recurso ficará sobrecarregado. Ao passar desse limiar, o recurso começará a se deteriorar e os benefícios colhidos diminuirão cada vez mais para todos os usuários. Não obstante, desde que alguns desses consigam obter algum benefício, mesmo sendo pequeno, eles continuarão explorando o recurso. Cientes de que o recurso está acabando, se esforçarão cada vez mais para captar o valor remanescente, agravando ainda mais a deterioração do recurso.

Fonte:
A quinta disciplina: arte e prática da organização que aprende/ Peter m. Senge; 21ª edição - Rio de Janeiro: BestSeller, 2006.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Entram em vigor novas regras para o repasse do dinheiro público a entidades sem fins lucrativos

O Diário Oficial da União publicou nesta segunda-feira (19) decreto definindo novas regras para contratação e repasse de verbas a entidades sem fins lucrativos. Ficam proibidos novos contratos da União com organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips) que não tenham prestado contas ao Erário; que tenham descumprido os objetivos do convênio; que tenham desviado a finalidade do contrato na aplicação dos recursos ou que tenham praticado outros atos ilícitos na execução do contrato.

As exigências deixam de fora, apenas, os termos de parceria firmados pelo Ministério da Saúde e os destinados ao Sistema Único de Saúde (SUS).

De acordo com o decreto, os convênios só poderão ser firmados com autorização de um ministro e em casos especificados, entre eles: diante de situações de emergência ou calamidade pública; para manutenção de convênio ou contrato de repasse pelo prazo máximo de 180 dias consecutivos e ininterruptos; para a realização de programas de proteção a pessoas ameaçadas; e nos casos em que o projeto já seja realizado adequadamente mediante parceria com a mesma entidade há pelo menos cinco anos.

A escolha da organização da sociedade civil deverá ser feita por meio de publicação de edital de concursos de projetos pelo órgão responsável pela contratação. E o governo terá de criar um grupo de trabalho com a finalidade de avaliar, rever e propor aperfeiçoamentos na legislação relativa à execução de programas e às transferências de recursos da União mediante convênios

fonte: http://www.opopular.com.br/cmlink/o-popular/editorias/geral/entram-em-vigor-novas-regras-para-o-repasse-de-dinheiro-p%C3%BAblico-a-entidades-sem-fins-lucrativos-1.40282

Fiscalização de qualidade no Terceiro Setor

Aparentemente influenciado pela onda de escândalos no Ministério do Turismo, o Poder Executivo expediu decretos que modificam convênios e a lei das Oscips

A atuação das entidades do Terceiro Setor – comumente chamadas de ONGs – passa por mais um momento crítico diante de novos escândalos de utilização indevida de recursos públicos, a exemplo dos fatos envolvendo recentemente o Ministério do Turismo.

O cotidiano nos mostra que um dos temas mais complexos do repasse de verbas públicas para o Terceiro Setor é justamente o do controle e da fiscalização. Esses numerosos escândalos têm fomentado, já há alguns anos, discussões sobre a necessidade de criação de novas ferramentas de fiscalização destes repasses. De fato, o atual cenário legislativo e institucional tem dado margem a diversos abusos por entidades inidôneas de modo a comprometer a legitimidade do setor, de extrema importância social.

A legislação, confusa e assistemática, dificulta a compreensão por parte das entidades e do poder público. Este, especialmente diante da enorme quantidade de controles formais exigidos legalmente, não dispõe de aparato operacional suficiente para efetuar uma fiscalização eficiente.

Aparentemente influenciado pela onda de escândalos no Ministério do Turismo, o Poder Executivo expediu o Decreto n.° 7.568/2001 (DOU de 19/09/2011), através do qual foram alterados os decretos n.° 6.170/2007 e 3.100/99.

O primeiro, que regulamenta os convênios com a União, sofreu importantes e louváveis alterações com os seguintes conteúdos, de forma resumida: a) exigência de comprovação de experiência da entidade candidata aos recursos públicos, nos últimos três anos, nas atividades para as quais pretende obter tais verbas; b) impossibilidade de repasse de recursos a entidades que tenham histórico inidôneo em suas relações com a União; c) exigência de procedimento de seleção entre as entidades candidatas a recursos públicos e seus respectivos projetos; d) centralização das informações, no Portal dos Convênios, quanto às entidades habilitadas a receberem recursos públicos.

O segundo, que regulamenta a Lei das Oscips (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), também sofreu alterações que podem ser avaliadas positivamente: a) comprovação da renovação da qualificação de Oscip, de regular funcionamento da entidade e de sua experiência na área objeto do termo de parceria, nos últimos três anos; b) impossibilidade de firmar termo de parceria com entidades que tenham histórico inidôneo em suas relações com a União; c) exigência de concurso de projetos para a seleção da entidade parceira.

Além dessas alterações, o decreto institui um grupo de trabalho para o estudo da legislação que regulamenta o repasse de recursos públicos pela União, que será composto por representantes do setor público e do Terceiro Setor.

O controle e a fiscalização são temas que repercutem sobremaneira na qualidade da regulação das atividades do Terceiro Setor, especialmente em sua interface com a administração pública, e merece melhores cuidados. Porém, esses cuidados devem ir além da produção legislativa massificada de instrumentos formais de controle dos repasses de recursos. Devem se inserir em um contexto mais amplo de revisão legislativa fundada em premissas de qualidade da fiscalização e do controle, e não de quantidade. Além disso, devem buscar dar efetividade aos instrumentos já existentes, antes de criar novos instrumentos muitas vezes conflitantes. Ainda, a fiscalização deve superar o paradigma do controle formal dos repasses para buscar um controle de resultados, ampliando as responsabilidades das entidades destinatárias dos recursos. Espera-se que esse importante decreto não seja apenas um remendo legislativo definitivo, mas um mal necessário ao início de uma revisão no marco legal do Terceiro Setor que traga segurança jurídica suficiente à legitimação deste importante ator em nosso cenário social.

Leandro Marins de Souza, advogado, doutor em Direito do Estado pela USP, é presidente da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB/PR. E-mail leandro@marinsdesouza.adv.br

Fonte: http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?tl=1&id=1171503&tit=Fiscalizacao-de-qualidade-no-Terceiro-Setor

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Terceiro Setor do Brasil interessa a HARVARD

Vandré Brilhante*


Durante uma semana participei de um curso promovido pela Harvard Business School, em Boston, EUA, com mais 152 líderes de organizações sem fins lucrativos de todo o mundo. Diversas escolas de Harvard se juntaram sob a coordenação da Escola de Negócios para promover o evento, como a Escola John Kennedy de Direito e a Escola de Gestão Pública. Os números do grupo reunido impressionam: as 150 entidades presentes administram um orçamento anual de 5 bilhões de dólares e empregam mais de 28 mil pessoas nos cinco continentes. Essa pequena amostra traz à luz a dimensão econômica do Terceiro Setor.

Dos debates, algumas conclusões: há uma clara mudança internacional que redireciona o papel destas organizações para uma atuação mais focada, necessária em muitas sociedades, ricas e pobres. Nos Estados Unidos, símbolo de país rico, a educação pública passa por teste de fogo. Alto índice de evasão, baixa qualificação do ensino e um Governo Federal sem um plano integrado de revisão e melhoria do ensino público que volte a garantir competitividade econômica ao país. Na Europa, o desemprego juvenil e a falta de prospectivas econômicas de muitas sociedades se refletem em inúmeros problemas sociais antes não existentes e que não têm em seus governos estruturas adequadas para o enfrentamento efetivo. Já na Índia, os problemas sociais são abordados com um alto grau de criatividade, servindo de modelo para vários outros países, mas que devem ser estudados com cuidado devido a especificidade cultural do país.

Nesse cenário, fomos envolvidos em muitas discussões, absorvendo de cada um deles lições para nossa ação institucional. Podemos afirmar que nós, brasileiros, estamos avançados em vários aspectos com relação à gestão criativa. Somos mais orientados a atuar em parceria com governos, visando a consolidação de políticas públicas; e junto a empresas, reforçando suas ações de responsabilidade social empresarial. Somos mais realistas com relação a custos reduzidos na implementação de projetos e ao mesmo tempo, abordamos mais as causas do que as consequências das mazelas sociais. Por outro prisma, somos ainda muito fragmentados enquanto representação organizada de setor, em desenvolvimento institucional e também em alavancagem de recursos financeiros.

De uma forma geral, as perspectivas indicam, além do crescimento de importância das ações do Terceiro Setor, a necessidade de as instituições desenvolverem mais suas gestões, estudando novas possibilidades de atuação em parceria, tirando proveito das novas tecnologias sociais cada vez mais presentes na vida de todos e, também, buscando orientar suas atuações e estratégias para a consecução efetiva de suas missões, mesmo que isto implique em rever as mesmas.

Os problemas sociais de hoje se aceleram em magnitudes exponenciais levando milhões de cidadãos a uma classificação social de pessoas não classificáveis, refugiados, moradores de ruas com problemas mentais, conflitos étnicos e raciais, pobreza extrema, disseminação de drogas cada vez mais destruídoras, dentre outros. Quem quer trabalhar esses problemas como sua ação principal? Como ser efetivo quando o resultado não pode ser medido através da equação produtos versus custos?

Para nós, líderes dessas organizações, fica como lição de estarmos construindo uma estrada que possibilite a milhões de pessoas a dignidade mínima de sentir-se incluído no lado bom do desenvolvimento econômico e da modernidade. O lado da saúde, alimentação, diversão, trabalho e educação.

*Economista e diretor-presidente do Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentável - CIEDS


fonte: http://www.folhape.com.br/index.php/caderno-cidadania/663394?task=view

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Entrevista Henry Mintzberg - administradores.com

Henry Mintzberg critica "fórmulas prontas" do planejamento estratégico.


Considerado um dos autores mais produtivos da Administração na atualidade – com 16 livros publicados até agora, quase todos considerados referência na área – o professor canadense não demonstra sinais de exaustão intelectual e pretende implementar em vários países, inclusive no Brasil, o programa CoachingOurselves, desenvolvido em parceria com Phil LeNir

Por Bruno Weiblen* e Eber Freitas, Revista Administradores

Um dos pensadores contemporâneos mais respeitados da Administração, crítico da maneira de pensar o planejamento estratégico, das propostas de muitos estudiosos intitulados "gurus" e também de seus próprios posicionamentos. Em entrevista exclusiva à revista Administradores nº5, Henry Mintzberg demonstra ser, antes de tudo, um entusiasta da dialética, da revisão de conceitos e da transformação constante das pessoas e organizações.

Conhecido pela sua análise conceitual sobre estratégia e planejamento estratégico na Administração – expressa em livros como "Safári da Estratégia" e "Ascensão e Queda do Planejamento Estratégico" – ele defende suas teorias baseadas no aprendizado e nas experiências profissionais. "É um processo pelo qual, muitas pessoas na organização – e não apenas a cúpula – aprendem o caminho para novas direções", afirma.

Administradores - Na última edição da revista Administradores, entrevistamos professores universitários de todo o Brasil para descobrir que pesquisador da atualidade poderia ser considerado o sucessor de Peter Drucker e o nome mais citado foi o seu. Como você encara esse resultado? Existe alguma semelhança ou alinhamento entre suas ideias e as de Peter Drucker?

Mintzberg - Não. Mas eu vou pressupor que essa pergunta é mais sobre a importância de Drucker como um autor de gestão do que em relação às ideias e práticas gerenciais defendidas por ele. Eu acho que há algumas semelhanças entre o que eu faço e o que ele fez, mas acredito que o que eu faço é muito diferente – porém, de certa, forma similar.

Eu creio que ambos sempre fomos críticos dos "padrões", pessoas que contrariam o senso comum – exceto em relação à prática gerencial. Contudo, o método de Drucker se tornou bastante "padrão" em alguns aspectos. Assim, muitas vezes, eu sou, implicitamente, um crítico dele. Por exemplo, eu não sou nem um pouco fã da cultura corporativa de "mensuração". Penso que a mesma é exagerada, com foco excessivo sobre o valor do acionista, o bônus dos executivos, a gestão por objetivos, os sistemas de controle nas organizações – e Drucker foi realmente quem promoveu a gestão por objetivos.

Se você estiver procurando por um link, eu acho que é mais uma ligação entre a minha abordagem e a dos brasileiros. Nesse aspecto, considero que sou muito mais "brasileiro" do que Drucker, e muito, mas muito mais "brasileiro" do que Michael Porter. A propósito, eu nunca seria o primeiro nos Estados Unidos (referindo-se à posição dele mesmo na pesquisa), Porter estaria muito à frente de mim, no sentido de que eu acredito ser um tipo de pessoa "Por que não?" em vez de "Por quê?".

Em outras palavras, sou alguém que não diria "Por que deveríamos fazer isso?", mas sim "Por que não? Vamos tentar algo novo, boa ideia!". E, pelo que eu sei, essa é, a meu ver, uma das características mais proeminentes da personalidade dos brasileiros. Então, sou muito mais alinhado ao aprendizado a partir de "dentro" (learning from within), ligado à prática (ground up), baseado na comunidade (community based), a favor da horizontalização (não-hierárquica) e suspeito da liderança (suspect of leadership). E eu acho que, intrinsecamente, isso tudo é muito "brasileiro".

O planejamento estratégico continua a ser um tema central nas escolas de Administração e MBAs, mas é ministrado de uma forma puramente instrumental, como uma receita de bolo. Como você avalia isso?

O planejamento estratégico é um termo que pode ser usado para descrever qualquer coisa. Você pode ter uma discussão sobre estratégia na faculdade e isso pode ser chamado de planejamento estratégico. Minha preocupação é que isso tudo se torne uma fórmula e, assim, converta-se algo extremamente burocrático.

Eu meio que critiquei esse assunto de forma um pouco exagerada, mas não tanto que ninguém nunca tenha desenvolvido uma técnica instintiva para o planejamento estratégico. Eu tenho certeza de que existem exceções, mas a estratégia, para mim, é aprendizagem, e não planejamento. É um processo pelo qual muitas pessoas na organização – e não apenas a cúpula – aprendem o caminho para novas direções. Planejar significa que você pode se sentar e criar uma fórmula. Porém, estratégias não saem assim, como milagre. Elas são aprendidas quando se tem um alvo, quando as pessoas precisam resolver problemas.

Então, eu não sou um fã deste tipo de abordagem "receita de bolo" para a estratégia, baseada em fórmulas. A propósito, eu acho que os brasileiros são pessoas muito mais orientadas ao aprendizado do que ao planejamento. Uma mulher brasileira que conheci em Montreal disse: "aqui, quando saímos para jantar, temos que planejar o cartão de crédito que iremos utilizar, o restaurante aonde vamos, o filme, o carro que vai ser usado. No Brasil, a gente se reúne e, quando chegamos lá, decidimos o que fazer".

Nos últimos dez anos, nota-se uma verdadeira explosão dos cursos de MBA. Você já se opôs repetidas vezes a esses cursos com considerações duras. Qual é a sua maior crítica aos MBAs?

Deixe-me apenas falar para vocês sobre o que todos esses cursos vêm fazendo. Mas, em primeiro lugar, permita-me dizer algumas coisas. Um: você não pode criar um gestor em sala de aula. Colocar jovens numa escola e fingir que está transformando-os em gestores é perigoso porque eles pensam que, ao saírem dos MBAs, serão capazes de gerir organizações. No entanto, o que eles aprendem é, unicamente, a analisar funções administrativas, como marketing e finanças. Assim, MBAs são excelentes para ensinar exatamente isso – que, porém, não é gestão. Ela se vale dessas ferramentas, mas é muito, mas muito mais do que análise de funções administrativas.

Então, os estudantes saem desses cursos pensando que sabem como administrar uma organização, o que é arriscado, pois o que eles sabem fazer é análise. O desenvolvimento gerencial legítimo deve ser focado em gestores de verdade. O segundo ponto é que se deve concentrar na utilização da experiência sobre a gestão para reflexão pessoal e em grupo. Assim, o profissional deve aprender com sua própria vivência, pensando sobre ela, e compartilhando-a com os colegas. É aprender uns com os outros em grande parte, não apenas com os professores.

Na década de 1970, você teorizou que os gerentes possuíam dez papéis dentro de uma empresa: monitor, disseminador, porta-voz, representante, líder, intercomunicador, empreendedor, apaziguador e alocador de recursos. Como você avalia as funções do administrador na atualidade? Considerando o surgimento de novas tecnologias, houve alguma mudança ou variação nas responsabilidades dos gestores ao longo do tempo?

Eu não acho que os papeis mudaram por causa das novas tecnologias. Penso que gestão é gestão. Não é uma profissão nem uma ciência, mas uma prática, e eu não acredito que ela tenha se transformado fundamentalmente. A modificação que eu aceitaria não é sobre as funções, mas em relação às pressões e características do gerenciamento.

Eu afirmo que a gestão é muito afetada pelas constantes interrupções, as várias pequenas tarefas do dia, todas essas coisas que a tornam caótica, a orientação para a ação, etc. Eu acho que o e-mail, particularmente, tem exacerbado, em muitos casos, essas características caóticas da gestão. Ele empurra os gestores ao limite, fazendo com que percam o controle do que está acontecendo na organização, pois chegou ao extremo de um tão prazo curto que, às vezes, é uma gestão focada nos minutos.

O que mudou dos anos 1970 para cá fui eu. No meu livro de 2009, "Managing: Desvendando o Dia a Dia da Gestão", eu descrevo os papeis de forma diferente – não porque eles mudaram, todos estão lá, de certa forma – mas porque a minha maneira de colocá-los juntos mudou. Então, agora, eu entendo que a gestão está acontecendo em três planos: informação, ação e pessoas. Assim, os gestores processam informações, se comunicam, controlam ao mesmo tempo em que lidam com pessoas, constroem networks do lado de fora e lideram dentro da organização. Já os gerentes se envolvem com a ação, pois eles administram projetos, apagam incêndios, negociam contratos...

Você repetidamente critica o atual modelo liderança, apoiando a redução máxima de líderes dentro das empresas. Qual é a sua proposta em relação a isso?

Eu não diria a "máxima redução dos líderes". Eu não creio que a liderança não é importante. Para mim, liderança e gestão não podem ser separadas, pois são intrinsecamente ligadas uma a outra. Acredito que os gestores que não lideram são chatos e desanimadores. Por outro lado, os líderes que não gerenciam não sabem o que está acontecendo.

Os gestores desses bancos e companhias de seguros em Nova York que compraram essas hipotecas "podres" não estavam gerenciando no sentido conceitual da palavra. Ou eles sabiam o que estava acontecendo – e não se preocuparam com as consequências (portanto, não estavam gerenciando) – ou faziam de conta que não sabiam o que se passava.

Muitas vezes, o típico "líder heróico" não se preocupa com os efeitos a longo prazo, apenas com os resultados imediatos para atender às demandas de Wall Street. Eu tenho certeza de que tenho sido um tanto óbvio, mas eles apostaram suas empresas inteiras nestas hipotecas "podres". Portanto, a liderança e a gestão têm que estar contidas nas mesmas pessoas. Você pode distinguir em um sentido que liderança é em relação a energizar, motivar as pessoas e tudo mais, mas eu não acho que você pode separar a liderança da gestão.

Bons líderes estão no cotidiano da empresa, em contato com os clientes, o mercado e seus colaboradores. Eles sabem o que está acontecendo, não estão microgerenciando nem se metendo nos assuntos dos seus gestores subordinados. Eles simplesmente estão na operação, porque você não desenvolve estratégias simplesmente sentando no ar; você precisa estar no chão, intervindo no dia a dia da empresa.

A burocratização e os procedimentos lentos estão diretamente relacionados a esse tipo específico de liderança ou à quantidade desse tipo de líder?

Sim, significativamente. Estamos de volta à gestão por objetivos de Drucker, o que eu chamo de "gestão à base de ordens e julgamento". Você senta em um escritório e considera que as pessoas abaixo de você na hierarquia irão produzir e entregar os resultados, bastando apenas ouvir as ordens divinas do superior máximo da organização. Então, você se senta na sua cadeira e diz: "você vai aumentar as vendas em 10% ou eu vou demiti-lo no próximo ano", "você vai cortar custos em 15%", ou "você irá demitir cinco mil funcionários", "minha neta, que tem seis anos, poderia fazer isso".

Não é preciso um grande gênio para se sentar ali e disparar os números para as pessoas, dizendo "isso é problema seu". Essa é uma dispensa total do processo natural de estratégia e as pessoas precisam começar a colocar as mãos na massa até que saibam o que está acontecendo, para então poder atacar e resolver os problemas.

Outra crítica incisiva que você faz constantemente é ao termo "Recursos Humanos", o qual você acredita que é degradante e uma maneira humilhante de se referir às pessoas nas empresas. O que você sugere em relação a isso? Como as empresas devem tratar seus colaboradores?

Bem, antes de tudo, as empresas não deviam chamar as pessoas de "Recursos Humanos" porque elas são seres humanos. Então, você começa a tratar as pessoas como seres humanos, não como bens, objetos, manipulando-as descaradamente ao bel prazer da empresa, como se não estivesse lidando com vida.

As pessoas têm as suas próprias necessidades e desejos, querem contribuir e se sentir parte da empresa. Logo, a maneira de tratá-las adequadamente é construindo o empreendimento como uma comunidade. Assim, os colaboradores vão se sentir realmente engajados ao invés de se sentirem ameaçados, como se fossem ser demitidos amanhã.

Um exemplo disso é o que aconteceu nas companhias americanas, sendo muitas delas destruídas. Elas simplesmente demitiram pessoas casualmente. As empresas ainda eram extremamente rentáveis, mas – ao não atingir os números de Wall Street, os resultados que eram esperados – elas demitiram sumariamente os funcionários, jogando-os porta afora.

O CoachingOurselves – programa de desenvolvimento gerencial que foi desenvolvido por você e Phil LeNir – tem parceria com várias empresas ao redor do mundo e, recentemente, chegou ao Brasil. Qual é a proposta do projeto e seu público-alvo?

No Brasil, nós estamos fazendo algumas outras coisas, diferente do que estamos fazendo em outros países. Por exemplo, a parceria é com um grupo editorial – um dos líderes do mercado, o Grupo A – que está combinando o CoachingOurselves com meus livros, utilizando sua reputação no mercado. Eu aposto que as pessoas são muito receptivas a esse método revolucionário de desenvolvimento gerencial. Bem, pelo menos uma das empresas que está estudando a implementação do CoachingOurselves – a qual eu tive a oportunidade de conhecer pessoalmente, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – está muito entusiasmada com os frutos possíveis da execução do programa.

Dessa forma, estamos muito orgulhosos pela forma com que o CoachingOurselves está se desenvolvendo no Brasil e, francamente, nós pensamos que o projeto se encaixa perfeitamente na mentalidade brasileira. É uma iniciativa provavelmente melhor do que qualquer coisa que já pude ver em qualquer outro programa de desenvolvimento gerencial, porque é sobre o desenvolvimento do "senso de comunidade" nas organizações.

As pessoas se agarram na esperança de mudar, tomando iniciativa, tendo ideias instintivamente, trabalhando socialmente em pequenos grupos – o que chamamos de aprendizagem social (social learning). Por exemplo, a Presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, disse que precisa desenvolver mais as habilidades de gestão no país, um cenário absolutamente perfeito para o CoachingOurselves, porque: a) é totalmente alinhado à natureza dos brasileiros e, b) é o mais escalável programa de desenvolvimento gerencial com custo acessível, concebível, porque as pessoas se reúnem em pequenos grupos em seus próprios locais de trabalho. Assim, poderíamos ter milhões de brasileiros fazendo isso dentro de poucos meses porque é muito simples de se implementar e de se trabalhar em escala.

Entretanto, há um perigo nesse fato porque a última coisa que o Brasil deve fazer agora é a cópia da gestão americana. É difícil para as pessoas entenderem que a Administração americana não é mais o "padrão-ouro" a ser copiado ou a se inspirar. Os americanos se perderam no sentido de se focarem nas questões erradas, principalmente no que se refere ao descaso da verdadeira gestão. A crise recente nos EUA não é uma crise econômico-financeira, mas uma crise de gestão. Um lote de grandes bancos e companhias de seguros são horrivelmente administrados. E muitos outros tipos de empresas americanas são horrivelmente administradas. Portanto, se Obama quer sair desta crise é melhor que ele foque sua atenção para a gestão, se livrando de todos os economistas que estão "aconselhando-o".

Qual é a sua visão da gestão brasileira, seja no meio acadêmico ou profissional? Em que ponto você acha que precisamos melhorar?

Eu acho que está pedindo mais do que eu poderia responder, porque eu não sou um especialista em gestão brasileira. Eu vejo as empresas, as coisas acontecerem e meio que tenho um senso dos brasileiros – não muito profundo, mas de certa forma – mas eu realmente não posso falar acerca de empresas brasileiras ou das práticas defendidas pelos acadêmicos de gestão brasileiros.

Mas do que você ouve falar, qual é a sua impressão, uma opinião, não uma análise mais profunda?

As impressões que tenho não são muito relativas às atividades empresariais por assim dizer, mas em relação às iniciativas sociais. Acabei de fazer um artigo científico com um estudante de doutorado brasileiro que trabalha comigo, Guilherme Azevedo, e é sobre isso, iniciativas sociais ao estilo "Por que não?" no Brasil.

Se você olhar para as experiências no tratamento de portadores de HIV, na produção de etanol, no Bolsa Família, verá que são vários tipos de iniciativas interessantes, que oferecem uma visão muito agradável do setor social e também dão uma ideia do dinamismo do setor privado por causa desta natureza do povo brasileiro – muitas vezes em parceria com as empresas, como é o caso do etanol.

O Carnaval no Rio é outro exemplo interessante da gestão comunitária brasileira porque não começou com as autoridades ou com a iniciativa privada; iniciou-se com as pessoas, a comunidade, mas agora é um grande negócio porque, naturalmente, tem muito dinheiro envolvido, serviços turísticos e tudo o mais. Enfim, é um negócio fascinante.

Muitos jovens e futuros administradores vão ler essa entrevista e extrair algumas conclusões a partir dela. Que mensagem você gostaria de transmitir para eles?

Para aprender a partir de suas próprias experiências. A coisa mais poderosa que eles podem fazer é aprender com sua própria experiência e com a de outras pessoas. Nossos programas, como o IMPM e o CoachingOurselves, são todos belos exemplos de verdadeiros gestores que estão se desenvolvendo a partir do princípio de aprendizagem a partir de sua própria experiência.

*Bruno Weiblen - é gerente de novos negócios do Grupo A, empresa que engloba várias editoras e diversas plataformas de distribuição de informação técnica, científica e profissional

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Sustentabilidade - Desafio democrático / Domigos Armani (Terceiro Setor)

Domingos Armani é Sociólogo, Mestre em Ciência Política (UFRGS), professor da UNISINOS (RS) e consultor em desenvolvimento social (darmani@terra.com.br).




Este artigo busca refletir sobre alguns avanços “conceituais” em relação à questão da sustentabilidade das ONGs, bem como indicar a necessidade de combinar os importantes esforços de fortalecimento institucional em andamento nesta área com iniciativas políticas coletivas de interlocução e negociação sobre as políticas e os parâmetros que hoje regulam o apoio a este tipo de organização da sociedade civil brasileira. Apresenta-se também, ainda que de forma exploratória, um conjunto de variáveis potencialmente geradoras de indicadores de sustentabilidade.



Sustentabilidade: alguns avanços conceituais


O tema da sustentabilidade das ONGs ocupa boa parte da agenda pública do setor na atualidade. Embora desde os primórdios da cooperação internacional com organizações da sociedade civil brasileira (início dos 80) se fale na então denominada “autosustentação”, somente nos anos recentes o tema ganhou maior projeção e concretude. Desde aquele tempo, o contexto no qual acontece a ação social coletiva apoiada em parcerias mudou muito. Também muito se andou na discussão sobre as formas de sustentabilidade das organizações não-governamentais, bem como na tentativa de construção de estratégias de sustentação das ONGs ou, mais amplamente, das organizações do Terceiro Setor.
Crescem os seminários e eventos de discussão sobre o tema, se avolumam as publicações sobre captação de recursos, organizações internacionais (governamentais, multilaterais e não-governamentais) trazem ao país seus acúmulos técnicos na área, criamse prêmios para estimular a “boa-prática” na área, programas de promoção da sustentabilidade são criados, e, sobretudo, aumentam dramaticamente as expectativas de velhas e novas ONGs de virem a se consolidar no cenário regional e/ou nacional. Neste crescente fluxo de iniciativas, seja de quem financia e/ou apóia organizações não-governamentais, seja das próprias organizações e redes da sociedade civil, reconhecem-se alguns avanços conceituais fundamentais para que a questão da sustentabilidade seja mais bem compreendida. O primeiro avanço conceitual diz respeito ao reconhecimento de que a sustentabilidade, para organizações como as ONGs, jamais significará que elas consigam se sustentar financeiramente sem uma proporção relevante de recursos doados a fundo perdido; isto é, a sustentabilidade deste tipo de organização vai sempre combinar, na melhor das hipóteses, uma capacidade para obter receitas “próprias” de forma regular (contribuição de sócios e de “rede de amigos”, prestação de serviços de forma remunerada, venda de produtos, etc.), com a capacidade de acessar fontes de financiamento públicas, privadas e não-governamentais nacionais e internacionais. Esta constatação, hoje consensual, tem implicações muito importantes, tanto porque tira um peso e uma responsabilidade excessivas e desproporcionais das ONGs em relação à sua sustentação duradoura, bem como porque sinaliza que é necessário preparar-se institucionalmente para acessar recursos de fontes variadas também em plano nacional, sejam elas públicas, privadas ou não-governamentais.
Um segundo avanço conceitual é relativo ao fato de que a sustentabilidade não diz respeito apenas à dimensão da sustentação financeira de uma organização, mas sim, a um conjunto bem mais amplo de fatores de desenvolvimento institucional cruciais para as chances de “êxito duradouro” de uma ONG (**). Esta ampliação da problemática da sustentabilidade, embora ainda recente, tem contribuído muito para uma compreensão mais complexa e integradora/holística da sustentabilidade, a qual se radica na visão de que o caráter mais ou menos duradouro de uma entidade depende do acesso regular a recursos, mas, acima de tudo, depende da qualidade de sua organização e de seu projeto institucional.


(**) O desenvolvimento institucional como condição de sustentabilidade das ONGs no Brasil. In: Aids e Sustentabilidade - Sobre as ações das organizações da sociedade civil. Brasília: Ministério da Saúde. Série C. nº 45.2001.p.17-33.3




Esta nova percepção tem contribuído para o fortalecimento institucional de um conjunto amplo de ONGs as quais, até se depararem com o desafio da sustentabilidade, não haviam enfrentado de forma mais integral o imperativo do desenvolvimento institucional; isto é, não haviam se dado conta de que o desenvolvimento institucional permanente é condição sine qua non da sustentabilidade. Isto quer dizer que é inescapável para uma ONG encetar um processo permanente de atualização e qualificação de sua missão e de seu projeto político, das bases de sua legitimidade, de sua capacidade de gestão estratégica, da adequação de sua estratégia de intervenção e metodologia, de sua habilidade e força para influenciar o processo das políticas públicas, de seus mecanismos de governança institucional, de sua disposição e preparo para gerar conhecimentos socialmente úteis e de administrar pessoas e recursos. Sustentabilidade, neste sentido, poderia ser definida como a capacidade institucional de interagir criativamente com contextos cambiantes, de forma a manter-se a relevância social e fortalecer-se a credibilidade da organização.



Um terceiro avanço, decorrente dos segundo, é o aparente paradoxo de que para ser sustentável, uma organização precisa se re-inventar. Isto é, a sustentabilidade não se oferece facilmente, ela requer enorme esforço continuado, determinação política e disposição para mudança de aspectos relevantes da cultura e do fazer institucional, gerando uma carga razoável de conflitos e tensões, seja, por exemplo, quanto ao planejamento estratégico e as estratégias de comunicação (se existentes), o perfil dos recursos humanos e a capacidade de gestão administrativo-financeira, ou mesmo à relação estratégica e orçamentária entre atividades-fim e atividades-meio. Estes avanços recentes são muito importantes porque têm contribuído para, e de certa forma, expressam mudanças culturais substanciais no campo das ONGs.

Talvez uma das principais mudanças seja a recém-descoberta percepção de que já não é mais possível concentrar toda a energia institucional nas atividades-fim, sendo necessário tratar também as questões do desenvolvimento institucional e da sustentabilidade como estratégicas. Até poucos anos atrás, a maior parte das organizações da sociedade civil (OSC) não tinha e de certa forma não precisava ter grandes preocupações com a organização em si e com sua gestão, concentrando praticamente toda sua energia e tempo na ação sociopolítica. Isto era visto como eficiente, pois se gastava pouco tempo (e recursos) com a vida interna da
organização.

Hoje, isso se coloca de outra forma. Dados o novo contexto para a ação social e os desafios à sustentabilidade das OSC, passa a ser fundamental para a sua credibilidade e sustentabilidade, qualificar tecnicamente o trabalho, clarear e compartilhar o projeto político/missão institucional, promover uma cultura e metodologias/instrumentos de planejamento estratégico e de monitoramento & avaliação, aperfeiçoar os mecanismos de gestão, qualificar a participação interna e a democratização dos processos decisórios, etc.... Com isso, cada entidade passa a ter de dedicar maior tempo, pessoas e recursos para atividades-meio relativas ao fortalecimento das condições de sua sustentabilidade política e financeira. Quer dizer, trata-se de pensar não somente a estratégia de trabalho, mas também e de forma permanente as estratégias institucionais para o fortalecimento da entidade.



Uma outra mudança cultural relevante é a “descoberta” de que somente com intensa e diversificada inserção local e de fortalecimento da credibilidade institucional, uma ONG pode vir a ser sustentável. Isto é, a sustentabilidade de uma organização é também função do grau de “enraizamento” social, da capacidade de articulação local e de credibilidade construída junto aos atores relevantes do seu contexto de atuação.





Sustentabilidade: do que se trata?


Estes avanços conceituais e mudanças culturais no campo das ONGs brasileiras, no entanto, embora importantes para o seu futuro, parecem não vir acompanhados de avanços correspondentes no tocante à consideração dos fatores contextuais que circunscrevem as chances de sustentabilidade deste campo de organizações e de cada uma delas. Com isso, corre-se o risco de indução a duas falácias: a primeira é a de que é possível para uma organização ou campo de organizações ser sustentável apenas a partir de sua qualificação técnico-organizacional e gerencial; a segunda quer nos fazer crer que as ONGs devem se adaptar e se ajustar o melhor possível a parâmetros supostamente definidos e imutáveis de financiamento, obscurecendo-se as visões e disputas a eles subjacentes.

No caso da primeira falácia, o que ocorre é que se acaba, mesmo involuntariamente, estimulando expectativas infundadas de que basta às organizações percorrerem “o caminho das pedras” da atualização institucional e do correspondente planejamento da captação de recursos, que a sustentabilidade emergirá no horizonte. Alimenta-se assim um mito – o da sustentabilidade como produto do esforço técnico-gerencial de organizações determinadas. Isto equivaleria a dizer que elas são as únicas responsáveis por sua sustentabilidade; ironicamente, neste sentido, a “sustentabilidade” de uma organização poderia ser equiparada à noção de empregabilidade do trabalhador, pelo que este assume a responsabilidade quase total por suas chances de emprego.

O mito da sustentabilidade resultante apenas do próprio esforço, na verdade, contribui para a difusão da idéia de que ela é alcançável por uma organização em particular sem que, concomitantemente, o seu campo de organizações se projete como sujeito político coletivo no espaço público em torno das disputas sobre o valor social do seu trabalho. A experiência internacional neste campo, pelo contrário, tem enfatizado a dimensão política e educativa que as estratégias de mobilização de recursos devem ter em relação às percepções de todos os atores e setores da sociedade relativas aos problemas sociais (**).


(**) Ver, por exemplo: Iório, Cecília. Mobilização de recursos: algumas idéias para o debate. In: Aids e Sustentabilidade - Sobre as ações das organizações da sociedade civil. Brasília: Ministério da Saúde, série C, nº 45, 2001, p:53; Clayton e Andrew (Ed.). Governance, Democracy e Conditionallity: what role for NGOs? Oxford: INTRAC, 1994, e Bailey, Michael. Levantamento de fundos no Brasil: Principais implicações para a sociedade civil e organizações não governamentais internacionais. In: ONGs - identidade e desafios atuais. São Paulo: ABONG/ed. Autores Associados, 2000, p.87-106.


Já no tocante à segunda falácia, se evita tematizar explicitamente o fato de que a busca da sustentabilidade se constitui em um campo de disputas em torno das estratégias nacionais de combate à pobreza e à desigualdade e também sobre o sentido da participação das ONGs na promoção do desenvolvimento.

As chances de sustentabilidade de uma ONG em particular e do seu campo coletivo são orientadas por uma determinada visão da possibilidade de enfrentar a pobreza e a desigualdade, do papel do Estado e das políticas públicas, das formas e instrumentos de financiamento e de controle social público às organizações não-governamentais, das formas de as empresas realizarem sua responsabilidade social, e assim por diante. Isto é, a chances de sustentabilidade das ONGs são permeadas e condicionadas por visões, políticas e canais de financiamento referidas a temáticas, a determinados tipos de organização, a formas de intervenção e tipo de contribuição esperada das ONGs.
Chega-se, assim, a um ponto fundamental: a disputa pela sustentabilidade não deve se resumir apenas aos esforços por fortalecer a capacidade de interação criativa de organizações determinadas com o seu contexto visando conferir caráter duradouro ao valor social do seu projeto institucional, mas deve visar também ao desenvolvimento de estratégias coletivas de interlocução pública visando a mudança dos fatores jurídicos, políticos, institucionais e operacionais que circunscrevem as possibilidades de sustentação deste tipo de organização no país.

Por isso, é importante que, na luta pela sustentabilidade, as ONGs (i) julguem criteriosamente as possíveis implicações de cada oportunidade de financiamento para a sua autonomia, e (ii) que se engajem em processos coletivos de diálogo e ação política visando influenciar os marcos legais, políticos e operacionais de apoio a ONGs vigentes.

Ao se falar em sustentabilidade, assim, está-se tocando em uma questão mais profunda e complexa do que a sustentação das ONGs; está-se, sim, tematizando a questão dos parâmetros éticos, culturais, políticos e técnicos que governam as concepções e formas como a sociedade enfrenta a problemática da pobreza e da desigualdade e da promoção do desenvolvimento. Quer dizer, é da própria relação Estado e sociedade, da relação entre economia e sociedade, do papel social das organizações não-governamentais vis-à-vis o Estado, as políticas públicas e as empresas, enfim, é da própria qualidade da democracia que se trata.

Se, no nível micro de uma organização em particular, a sustentabilidade pode ser definida como a capacidade de sustentar de forma duradoura o valor social do projeto institucional a partir da interação criativa com contextos mutáveis, no nível macro-social, a sustentabilidade pode ser tomada como o grau de correspondência (legitimação socialpública) entrea ação coletiva das ONGs e as concepções, políticas e mecanismos (públicos e privados) de enfrentamento da pobreza e das desigualdades e de promoção do desenvolvimento.

Tal conceito faz referência e explicita, assim, o grau de interlocução pública e de aproximação negociada ao que possa ser considerado o “interesse público” quanto ao “lugar” das ONGs, em correspondência aos do Estado e do setor privado, no tocante ao enfrentamento da problemática social e à promoção do desenvolvimento.

Por fim, tematizar a sustentabilidade das ONGs é, também, lutar pela garantia de que existam políticas e fundos públicos destinados a apoiar de forma substancial (direta ou indiretamente) este tipo de organização, garantindo-se que o apoio público não signifique perda de autonomia da ONG e, especialmente, de seu caráter de sujeito político na sociedade civil (**) E não só isso, lutar também para que os mecanismos e procedimentos institucionais e administrativos (critérios de acesso ao controle social), instrumentos de acompanhamento e avaliação, normas administrativo-financeiras, etc.) sejam adequados e flexíveis para abarcar pequenas, médias e grandes organizações.


(**) lembre-se que a sustentabilidade das ONGs/Terceiro Setor tanto nos Estados Unidos quanto na Europa se baseiam em forte apoio de fundos públicos. conforme pesquisa comparativa recente envolvendo 22 países (Landim, 1999), vê-se que as organizações do Terceiro Setor neles têm, em média, 40% de suas receitas oriundas no setor público, enquanto esta média cai para 15,5% nos países pesquisados na América Latina. No Brasil, chega a 14,5% apenas.

Indo mais longe, o financiamento público das ONGs não deveria considerar apenas o apoio às ONGs como prestadoras de serviço complementares e/ou ampliadores da política pública; deveria também promover o apoio as ações de caráter mais propositivo, ações críticas a determinadas políticas de governo, ações de caráter experimental, etc.


Mas isso só seria possível se tais políticas e fundos viessem a ser geridos com parâmetros públicos, e não raramente político-partidários, corporativistas ou tecnocráticos. É muito importante assinalar que sem uma substancial política pública de apoio às ONGs elas não virão a ser sustentáveis como setor, e aquelas que porventura vierem a sêlo, o serão na medida em que se “con-formarem” aos parâmetros privados (corporativos e não-governamentais) de apoio. Numa situação destas, muito do caráter público da ação das ONGs terá se perdido...


Sustentabilidade: como avaliar?


Se tomarmos a sustentabilidade por sua dupla dimensão – em nível de cada organização e no nível mais geral do conjunto das ONGs, torna-se um exercício interessante pensar em variáveis e indicadores de sustentabilidade correspondentes. As variáveis apresentadas a seguir são uma contribuição neste sentido.


Indicadores de sustentabilidade – variáveis ao nível da organização



Capacidade de geração/captação de recursos em relação às necessidades (anuais ou trienais) de recursos da organização.
Índice de diversificação das fontes de apoio, tanto em número como no tipo de financiadores.
Proporção das receitas não vinculadas (oriundas de geração própria e de apoios de caráter institucional) em relação às receitas vinculadas (apoios específicos a programas, projetos, etc.).
Grau de dependência em relação a recursos de origem internacional (supondo-se que, no longo prazo, a organização é tanto mais sustentável quanto maior for a proporção de recursos acessados no próprio país).
Nível e tipo de condições (políticas e técnico-gerenciais) e expectativas expressas pelo financiador (em relação à autonomia da ONG) (**)


(**) Cfe. Fowler, Alan. Striking a Balance – A Guide to Enhancing the Effectiveness of Non-Governmental Organisations in International Development. London: INTAC/Earthscan, 1997, p.129.


Densidade das relações com financiadores e grau de interlocução sobre tendências institucionais e escolhas estratégicas mútuas.
Grau de desenvolvimento e qualidade dos instrumentos de accountability e de demonstração de resultados da organização.
Nível de desenvolvimento institucional “interno”: (i) grau de relevância social contextualizada da missão e da estratégia de intervenção institucional; (ii) grau de compartilhamento da identidade e da missão e/ou nível de tensões e conflitos; (iii) grau de estabilidade e efetividade das estruturas e modos de governança institucionais; (iv) capacidade e parâmetros para gestão estratégica (sistema de PMA, instrumentos gerenciais, etc.), e (v) perfil ético-político, qualificação técnica e índice de rotatividade dos recursos humanos.
Nível de desenvolvimento institucional “ampliado”: (i) credibilidade (e grau de conhecimento) da organização perante seu público beneficiário, movimentos sociais, órgãos públicos, outras ONGs, fundações sociais, universidades, empresas, agências de cooperação, etc.; (ii) capacidade para deflagrar e/ou influenciar processos de mobilização social e de impactar a agenda pública e as políticas públicas, e (iii) capacidade para estabelecer diálogo, parcerias e trabalho conjunto com outras instituições.



Indicadores de sustentabilidade – variáveis ao nível do conjunto do setor ONG



Grau de credibilidade associado às ONGs como setor em nível nacional e internacional.
Grau de iniciativa e participação do setor na interlocução pública sobre seu marco legal e sobre as formas de apoio públicas e privadas ao setor ONG no país.
Grau de desenvolvimento e amadurecimento da legislação específica sobre apoio a ONGs.
Capacidade das ONGs enquanto “campo” de dialogar e influenciar as concepções, políticas e modalidades de apoio dos financiadores internacionais e nacionais.
Grau de aceitação por parte da legislação específica (especialmente a legislação referente às OSCIPs – Organizações da Sociedade Civil e Interesse Público) e por parte dos governos (federal, estaduais e municipais) de que as ONGs devem manter se como sujeitos políticos autônomos, mesmo quando apoiadas com recursos públicos.
Qualidade dos padrões e instrumentos de controle social público sobre as ONGs financiadas por recursos públicos.



Novas iniciativas para a sustentabilidade: Dada a análise acima, e levando-se em conta o contexto favorável do governo Lula, indicam-se algumas iniciativas que podem contribuir para fazer avançar a sustentabilidade macro-social das ONGs brasileiras, sejam elas tomadas pelas redes de ONGs ou mesmo pelo novo governo. São elas:



Dar curso e ampliar o processo de diálogo nacional sobre o marco legal do Terceiro Setor visando a proposição de um marco legal mais ampla e cuidadosamente debatido, mais completo, mais adequado às especificidades das ONGs, mais apto a tratar de forma diferenciada os diferentes tipos de organizações do Terceiro Setor, e que seja uma legislação mais claramente resultante de um debate público sobre o papel esperado das ONGs no desenvolvimento nacional. A atual lei das OSCIPs é aqui ponto de partida fundamental.
Articular-se um processo de diálogo entre ONGs e as empresas e fundações empresariais, visando tematizar as políticas, estratégias e mecanismos de seleção e apoio a organizações da sociedade civil, de forma a avaliar a experiência até aqui desenvolvida e dela extrair lições para o futuro, buscando-se ainda constituir um espaço de reflexão sobre os fundamentos e o alcance das iniciativas privadas na área social e suas implicações para o setor não-governamental no Brasil.
Abrir um fórum de diálogo governo federal – organizações da sociedade civil – agências (não-governamentais e governamentais/multilaterais) de cooperação ao desenvolvimento visando construir parâmetros mais compartilhados e complementares de apoio a organizações da sociedade civil.
Articular-se um espaço de interlocução e de troca de experiências entre instituições e universidades que vêm desenvolvendo programas de assessoria e capacitação de ONGs, de forma a estimular-se a ampliação do atendimento em nível nacional, a elevação da qualidade, as complementaridades e a eventual sinergia entre muitas destas iniciativas.
Por fim, outra iniciativa oportuna seria que as próprias ONGs pactuassem e oferecessem à sociedade uma espécie de “código de ética” do setor, com o que, ganhariam maior credibilidade e se diferenciariam de um tipo de organização da sociedade civil que não se orienta por uma ética social-pública.



Com estas e outras iniciativas desta natureza se estaria favorecendo espaços e processos de interlocução que privilegiariam não apenas a dimensão técnico-gerencial da sustentabilidade, mas também, e acima de tudo, o necessário debate público sobre o valor social e os limites da contribuição das ONGs ao combate à pobreza, às desigualdades e à promoção de um desenvolvimento estimulador da justiça e da democracia.


Referências Bibliográficas
Armani, Domingos. O Desenvolvimento Institucional como Condição de Sustentabilidade das ONGs no Brasil. In: Aids e Sustentabilidade – Sobre as Ações das Organizações daSociedade Civil. Brasília: Ministério da Saúde, Série C. nº 45, 2001, p.17-33. ________. Parceiros Relutantes? Governo e Organizações Voluntárias na Grã-Bretanha. Porto Alegre: Mimeo, 1996.
Armani, Domingos & González, Roberto. Desafios ao Desenvolvimento Institucional na Rede PAD. Porto Alegre: PAD, 2000.
Fowler, Alan. Striking a Balance – A Guide to Enhancing the Effectiveness of Non-Governmental Organisations in International Development. London: Earthscan, 1997.
Iório, Cecília. Mobilização de Recursos – Algumas Idéias para Debate. In: Aids e Sustentabilidade – Sobre as Ações das Organizações da Sociedade Civil. Brasília: Ministério da Saúde, Série C. nº 45, 2001, p. 53-57.
Landim, Leilah .As Organizações Sem Fins Lucrativos no Brasil – Ocupações, Despesas e Recursos. Projeto Comparativo Internacional sobre o Setor Sem Fins Lucrativos, The Johns Hopkins University/ISER. Rio de Janeiro: Nau, 1999.
Valderrama, Mariano. El Fortalecimiento Institucional y los Acelerados Cambios en las ONG Latinoamericanas. ALOP, CEPES, 1998.

Terceiro Setor - Análise comparativa entre OS e OSCIPs

O Terceiro Setor, assim entendido como aquele composto por entidades da sociedade civil, sem fins lucrativos e de finalidade pública, é uma zona que coexiste com o chamado Primeiro Setor – o Estado, e o Segundo Setor, o mercado.
1.INTRODUÇÃO

O Terceiro Setor, assim entendido como aquele composto por entidades da sociedade civil, sem fins lucrativos, e de finalidade pública, é uma zona que coexiste com o chamado Primeiro Setor – o Estado, e o Segundo Setor, o mercado. Trata-se, em suma, do desempenho de atividades de interesse público, embora por iniciativa privada. Daí porque, em muitos casos, as entidades integrantes de tal setor recebem subvenções e auxílios por parte do Estado, em decorrência de sua atividade de fomento.

A importância do Terceiro Setor para o desenvolvimento do País tem sido demonstrada a cada dia, vez que já se confirmou que o Estado não tem mais condições de arcar, sozinho, com o financiamento e execução de tais serviços. Neste contexto, as duas mais recentes qualificações jurídicas para entidades do Terceiro Setor – as Organizações Sociais e as Organizações da Sociedade Civil de Interessa Púbico – vêm à tona como uma tentativa de superação das insuficiências dos títulos anteriores, de uma forma mais consentânea com a atual realidade social brasileira.

Sem maiores pretensões, e com o intuito de tecer alguns comentários sobre as novas entidades acima referidas, de modo a defini-las e extremá-las, apesar de suas semelhanças, este trabalho constará desta introdução mais quatro partes. Na Primeira, traremos à colação algumas questões sobre as Organizações Sociais, definindo seu conceito, e enfrentando, ainda que ligeiramente, algumas questões polêmicas relativas a sua instituição, sem olvidar de destacar seus méritos. Na Segunda, será a vez das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, quando se versará sobre as semelhanças e avanços em relação às Organizações Sociais, exercendo, ao final, um juízo crítico sobre sua estrutura normativa. Em seguida, trataremos de destacar algumas notas distintivas entre as duas espécies de entidades, destacando o papel de cada uma delas em nosso ordenamento. Por fim, virá a conclusão, sintetizando as idéias contidas neste trabalho.

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2.BREVE HISTÓRICO

A fim de possibilitar uma maior compreensão das figuras jurídicas ora em comento, mister se faz uma rápida incursão no seu escorço histórico. Isto se justifica, vez que a normatização atual deriva, em grande parte, das reflexões acerca da efetividade e legitimidade de outros títulos assemelhados, que, de certa forma, abundam no Ordenamento Jurídico brasileiro.

O primeiro diploma legislativo a tratar da questão, em bases assemelhadas a como a conhecemos hoje, foi a Lei 91, de 28 de Agosto de 1935, a qual, veio a determinar regras para o reconhecimento de uma entidade como de utilidade pública. Logo no seu art. 1º, tratava a lei de esboçar um conceito de utilidade pública:

Art 1º As sociedades civis, as associações e as fundações constituidas no paiz com o fim exclusivo de servir desinteressadamente á collectividade podem ser declaradas de utilidade publica, provados os seguintes requisitos:

a) que adquiriram personalidade juridica;

b) que estão em effectivo funccionamento e servem desinteressadamente á collectividade;

c) que os cargos de sua diretoria, conselhos fiscais, deliberativos ou consultivos não são remunerados.
Depreende-se que os requisitos exigidos pela lei eram muito singelos, e resumiam-se, em síntese, ao "fim exclusivo de servir desinteressadamente à coletividade", conceito vago, que poderia ter a dimensão que o intérprete lhe quisesse conferir. Entretanto, maiores cautelas para com esta qualificação não eram objeto de preocupação, posto que o título de utilidade pública, à época, era um mero distintivo, do qual não derivava nenhuma vantagem direta. Tal regra estava explícita no art. 3º da referida lei, in verbis:

Art. 3º Nenhum favor do Estado decorrerá do titulo de utilidade publica, salvo a garantia do uso exclusivo, pela sociedade, associação ou fundação, de emblemas, flammulas, bandeiras ou distinctivos proprios, devidamente registrados no Ministerio da Justiça e a da menção do titulo concedido.
Este título, em verdade, consubstanciava um reconhecimento estatal que conferia credibilidade à instituição, dotando-a de maior poder de angariar doações, por exemplo. Em face desta situação, os próprios mecanismos de controles eram muito parcos, limitando-se a uma apresentação anual de uma "relação circunstanciada dos serviços que houverem prestado à coletividade" (art. 4º).

Entretanto, as transformações sociais por que passou o país desde a década de 30, vieram a exigir uma redefinição da moldura legal das entidades de utilidade pública. Como tempo, uma série de benefícios fiscais, como isenções e acesso a financiamentos públicos, foi sendo criada, como forma de diferenciação do regime jurídico destas organizações. Ou seja, o título que, inicialmente, era apenas honorífico, passou a abrir as portas das benesses estatais, desvirtuando-se sua idéia original.

Por outro lado, os mecanismos de controle não evoluíram na mesma proporção, pelo que, com enorme facilidade, o título em tela passou a ser utilizado em manobras espúrias, que se tornou notório com os chamados "anões do orçamento", esquema que envolvia a criação de entidades "fantasmas", de fachada, que recebiam o título, por meio de decreto legislativo, tendo aprovadas, no orçamento federal, subvenções para si. A partir de então, iniciou-se um movimento para a reforma da Lei 91/35, que não logrou êxito, apesar dos doze projetos apresentados: nenhum foi aprovado, em virtude de interesses políticos que não se harmonizavam.

Como não se conseguia a modificação do título de utilidade pública, outros foram sendo criados, com o intuito de "esvaziar" aquel’outro, já desprovido de qualquer credibilidade. Dentre eles, os mais destacados atualmente são do de Organização Social (OS) e Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), das quais trataremos mais detidamente.


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3.ORGANIZAÇÕES SOCIAIS

As Organizações Sociais têm seu lugar no bojo do processo que se convencionou chamar de "reforma do Estado", cujo impulso maior se deu a partir da aprovação do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), elaborado pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), criado quase que exclusivamente para efetivar a reforma administrativa pretendida pelo Governo Federal. Um dos pontos estratégicos deste plano foi a aprovação do "Programa Nacional de Publicização", aprovado pela Lei 9.637, de 15 de Maio de 1998. Esta lei autoriza o Poder Executivo a transferir a execução de serviços públicos e gestão de bens e pessoal públicos, a entidades especialmente qualificadas, quais sejam, as Organizações Sociais.

Segundo o ilustre administrativista Hely Lopes Meireles, "o objetivo declarado pelos autores da reforma administrativa com a criação da figura das organizações sociais, foi encontrar um instrumento que permitisse a transferência para elas de certas atividades exercidas pelo Poder Público e que melhor o seriam pelo setor privado, sem necessidade de concessão ou permissão. Trata-se de uma nova forma de parceria, com a valorização do chamado terceiro setor, ou seja, serviços de interesse público, mas que não necessitam ser prestados pelos órgãos e entidades governamentais". [01]

3.1.CONCEITO

A legislação pertinente não lança muitas luzes acerca de uma definição das Organizações Sociais. Entretanto, pode servir como um bom ponto de partida o art. 1º da Lei 9.637/98, in verbis:

Art.1º O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei.
O conceito legal revela-se insuficiente para abranger toda a complexidade do instituto. Recorramos então aos ensinamentos do ilustre Professor da Faculdade de Direito Universidade Federal da Bahia, Paulo Eduardo Garrido Modesto [02], que nos traz uma definição mais analítica, a saber:

As organizações sociais são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, voltadas para atividades de relevante valor social, que independem de concessão ou permissão do Poder Executivo, criadas por iniciativas de particulares segundo modelo previsto em lei, reconhecidas, fiscalizadas e fomentadas pelo Estado.
Permita-nos adicionar ao conceito do ilustre Administrativista baiano três noções: por primeiro, a idéia de que se trata de um título jurídico, uma qualificação especial de uma entidade sem fins lucrativos, que atendam às exigências especiais previstas em lei; por segundo, a noção de que deve atuar nos serviços públicos não exclusivos do Estado; por terceiro, a idéia do Contrato de Gestão, que consubstancia o liame necessário à vinculação entre a organização e o Estado, revelando-se como parte integrante da sua própria essência.

3.2.QUESTÕES CONTROVERSAS

Caractere interessante previsto no Programa Nacional de Publicização é a possibilidade de uma Organização Social absorver um órgão da administração, após sua extinção. Embora uma leitura apressada da Lei leve a crer que a Organização vá exercer uma atividade de natureza privada, com o incentivo do poder público, este é um caso em que a nova entidade Privada será acometida da execução de um Serviço Público, delegado pelo Estado.

Neste sentido, o fomento do poder público poderá abranger a destinação de recursos orçamentários, bens públicos, necessários ao cumprimento do contrato de gestão, tudo com dispensa de licitação, cessão de servidores públicos, com ônus para a origem, e a própria dispensa de licitação nos contratos de prestação de serviços celebrados entre a Administração Pública e a Organização Social. É o que dispõe o art. 22, I, da Lei 9.637/98, in verbis:

Art.22. As extinções e a absorção de atividades e serviços por organizações sociais de que trata esta Lei observarão os seguintes preceitos:

I-os servidores integrantes dos quadros permanentes dos órgãos e das entidades extintos terão garantidos todos os direitos e vantagens decorrentes do respectivo cargo ou emprego e integrarão quadro em extinção nos órgãos ou nas entidades indicados no Anexo II, sendo facultada aos órgãos e entidades supervisoras, ao seu critério exclusivo, a cessão de servidor, irrecusável para este, com ônus para a origem, à organização social que vier a absorver as correspondentes atividades, observados os §§ 1o e 2o do art. 14;
Tal previsão é bastante polêmica, e não é dezarrazoado imaginar que vez que pode estar travestindo uma tentativa de desmonte da Administração Pública, e a retirada do Estado da prestação de Serviços Públicos. Trata-se, em verdade, de uma atividade tradicionalmente exercida por ente estatal, utilizando patrimônio público e servidores públicos... de modo que é, no mínimo, desconfortável aceitar sua submissão ao regime jurídico de Direito Privado. Aí, um óbice constitucional, vislumbrado por muitos: a necessidade de licitação para a efetivação da absorção do órgão público extinto, eis que implicará no uso exclusivo de bens públicos.

Inúmeras outras críticas podem ser levantadas contra a implementação do modelo das Organizações Sociais. Analisemos algumas, a seguir.

Primeiramente, pode-se afirmar que a utilização do modelo tem-se dado de forma incompleta: não se tem notícias de uma entidade privada, pré-existente, que tenha se tornado Organização Social, para atuar ao lado do Estado, complementando a prestação de Serviços Públicos. As existentes atualmente derivam do processo de extinção de órgãos públicos supra referido, deixando às claras que o processo de "publicização" de que trata a lei referida seria, na verdade, uma tentativa de desmantelamento do serviço público.

Outra questão é remonta ao fato de a qualificação como Organização Social ser tratada como ato discricionário, revelando uma intromissão casuística do administrador no seio das entidades. Isto está cristalizado no art. 2º, II, da Lei 9637/98 que, ao lado de requisitos específicos, de cunho muito mais formal, requer, in verbis:

Art.2º São requisitos específicos para que as entidades privadas referidas no artigo anterior habilitem-se à qualificação como organização social:

I – [...]

II-haver aprovação, quanto à conveniência e oportunidade de sua qualificação como organização social, do Ministro ou titular de órgão supervisor ou regulador da área de atividade correspondente ao seu objeto social e do Ministro de Estado da Administração Federal e Reforma do Estado.
Esta necessidade de aprovação quanto à conveniência e oportunidade, ainda que possa revelar uma preocupação do legislador em evitar a qualificação de entidades de funcionamento duvidoso, beira a inconstitucionalidade, por violação do princípio da impessoalidade. Este alto grau de subjetividade na qualificação, aliado às previsões de uso de bens públicos, para a prestação de serviços públicos, tudo sem licitação, bem como a disciplina da cessão de servidores públicos e dotações orçamentárias específicas, podem dar vazão a descalabros já de há muito conhecidos na história política brasileira. Uma qualificação vinculada, com requisitos claros a serem preenchidos pelas entidades que pretendam o título, viria em boa hora a conferir uma maior credibilidade as Organizações Sociais, e minorar as críticas que recaem sobre essas flexibilidades incompatíveis com o regime jurídico de Direito público, do qual a Administração – ou os administradores – vem tentando fugir.

Ademais, a Lei deixa brechas para a qualificação de entidades criadas ad hoc, sem comprovação efetiva de serviços realizados, garantias, tempo mínimo de existência ou capital próprio. Chega a causar perplexidade o fato de que, para outros títulos, que não concedem vantagens de tão alta monta, a lei requeira um prazo mínimo de existência – como, por exemplo, no caso da "entidade de fins filantrópicos", de que se exigem três anos de funcionamento – e nada neste sentido esteja insculpido na Lei das Organizações Sociais.

Não há, tampouco, qualquer especificação de contrapartidas ao apoio do Estado, além da atividade cristalizada no Contrato de Gestão, bem como não há uma definição do quantum mínimo de serviços a serem prestados diretamente ao cidadão, ou de uma regra de equivalência entre os benefícios recebidos e investidos. Deixar todos estes mecanismos limitadores ao momento da celebração no contrato de gestão encerra um grande risco, aliado às previsões flexibilizadoras do regime de Direito Público, nos moldes vistos acima.

3.3.AVANÇOS

Apesar de todas as insuficiências e excessos do arcabouço normativo das Organizações Sociais, não há que se tomar uma atitude iconoclasta, e fechar os olhos para alguns aspectos positivos do novo regramento legal. Em muitos pontos, a qualificação em estudo supera o antigo título de utilidade Pública, como veremos a seguir.

Em primeiro lugar, os estatutos das Organizações Sociais devem, nos temos do art. 3º da Lei 9637/98, satisfazer a certos requisitos no tocante ao modelo de composição para seus órgãos de deliberação superior. Prevê-se a necessária participação de representantes do Estado e da Sociedade Civil, até como forma de compensar a extrema liberdade, em relação ao regime jurídico de Direito Púbico, dispensado às Organizações Sociais. Na outra mão, continuando fortemente o Estado presente na estrutura diretiva da Organização, vem apenas a gerar mais uma forte evidência do movimento de fuga da Administração às amarras do regime jurídico de Direito Público.

Outro avanço pode ser identificado na figura do contrato de gestão, que, abstraídas as questões terminológicas e técnicas, as quais não serão tratadas aqui, devido aos modestos contornos deste trabalho, não deixa de ser um instrumento que, desde que bem aparelhado, conferirá limites e definirá metas a serem atingidas pela entidade, o que pode ser relevante no controle da aplicação dos recursos públicos na finalidade a si atribuída. E, ainda no campo do controle, a Lei exige, para a própria qualificação, que o estatuto da entidade qualificanda preveja uma sujeição à publicação anual, no Diário Oficial da União, do relatório de execução do contrato de gestão, enquanto um relatório gerencial das atividades desenvolvidas, e não um mero demonstrativo de contabilidade formal, como era comum nas Entidades de Utilidade Pública.

De tudo isso, verifica-se uma tentativa de efetivar controles que contrabalancem as facilidades abertas pela flexibilização lograda com as Organizações Sociais. A partir da avaliação do benefícios e prejuízos deste modelo, pode-se refletir e, com a experiência adquirida, desde as primeiras incursões legislativas nessa área, seguir rumo ao modelo ideal.


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4.ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO

No bojo deste processo de maturação, teve lugar o advento das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), criadas a partir da Lei 9790/99, e posteriormente regulamentada pelo decreto 3100/99. Interessante notar que no Projeto de Lei Original, seu nomem iuris era sutilmente diverso, a saber, Organizações da Sociedade Civil de Caráter Público. Referido Projeto foi fruto de um debate amplo entre a Comunidade Solidária e entidades do terceiro setor, que veio incorporar boa parte das inovações trazidas pela Lei das Organizações Sociais, naquilo que elas tinham de avanço.

Muitas são as semelhanças entre as OSCIP’s e as OS’s. E em muito se avançou nesta nova qualificação, de modo que aquela está muito mais bem estruturada que a outra. Entretanto, ainda há falhas, que deverão ser corrigidas com o transcurso do tempo. Adentremos, então essa análise, de modo a ter fixadas as peculiaridades, vantagens e desvantagens de cada uma.

4.1. SEMELHANÇAS COM AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS

De início, verifica-se que o próprio conceito de OSCIP é deveras semelhante com o de Organização Social. Na doutrina autorizada de Maria Sylvia Zanella Di Pietro: [03]

Trata-se de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, instituídas por iniciativa de particulares, para desempenhar serviços sociais não exclusivos do Estado com incentivo e fiscalização pelo Poder Público, mediante vínculo jurídico instituído por meio de termo de parceria.
Verifica-se que, de fato, a idéia inspiradora é a mesma que já norteava o anterior titulo de Utilidade Pública, que, uma vez qualificada pelo Estado, percebe algum tipo de incentivo, dentro da atividade de fomento. Entretanto, a OSCIP exige requisitos mais rígidos, para ser concedida.

A bem da síntese, e da fidelidade ao autor, transcrevemos a descrição das semelhanças verificadas pelo insigne Professor Paulo Modesto: [04]

A semelhança do novo título com o modelo normativo das organizações sociais é indiscutível. Primeiro, a idéia comum de concessão de uma sobre-qualificação (nova qualificação jurídica para pessoas jurídicas privadas sem fins lucrativos). Segundo, a restrição expressa à distribuição pela entidade de lucros ou resultados, ostensiva ou disfarçada (através, por exemplo, de pagamento de salários acima do mercado). Terceiro, a identificação de áreas sociais de atuação das entidades como requisito de qualificação. Quarto, a exigência de existência de um conselho de fiscalização dos administradores da entidade (Conselho de Administração nas organizações sociais, Conselho fiscal ou órgão equivalente na proposta do novo título). Quinto, o detalhamento de exigências estatutárias para que a entidade possa ser qualificada. Sexto, a exigência de publicidade de vários documentos da entidade e a previsão de realização de auditorias externas independentes. Sétimo, a criação de um instrumento específico destinado a formação de um vínculo de parceria e cooperação das entidades qualificadas com o Poder Público (contrato de gestão, nas Organizações Sociais; termo de parceria, nas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público). Oitavo, a possibilidade de remuneração dos diretores da entidade que respondam pela gestão executiva, observado valores praticados pelo mercado (remuneração vedada pela legislação de utilidade pública). Nono, a previsão expressa de um processo de desqualificação e de sanções e responsabilidades sobre os dirigentes da entidade em caso de fraude ou atuação ilícita.
Assim, foi aproveitado todo um arcabouço já delineado na normatização das OS’s, e, a fim de aperfeiçoá-las, foram introduzidas uma série de inovações, das quais versaremos a seguir.

4.2. INOVAÇÕES EM RELAÇÃO ÀS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS

Com o propósito de superar algumas das insuficiências da disciplina normativa das Organizações Sociais, a Lei das OSCIP’s (Lei 9790/99) trouxe uma série de mudanças, que contribuiu para conferir ao novo título uma credibilidade muito maior. As principais delas serão aqui abordadas, de forma panorâmica, sem a pretensão de esgotar o assunto.

Por primeiro, destaque-se a enunciação taxativa, no art. 2º, daqueles que não podem qualificar-se como OSCIP, ainda que se dediquem a atividade tutelada pelas normas pertinentes a tais organizações. Em boa hora tais restrições, pois vem a assegurar que os benefícios gerados pela sua atuação atinjam a todos, numa excelente definição para aquilo que outrora se chamou de "servir desinteressadamente à coletividade". Estão excluídos, por exemplo, sociedades comerciais, partidos políticos, escolas privadas e instituições hospitalares não gratuitos, dentre outras.

Em seguida, o art. 3º vem enumerar e detalhar as atividades a que se devem dedicar as instituições, a fim de que possam se credenciar como OSCIP, o que demonstra uma preocupação e uma rigidez muito maior na qualificação, o que se justifica pelo fato de ter a certificação de OSCIP um caráter vinculado, não afeito ao mero juízo de conveniência e oportunidade do administrados, o que vem a superar uma velha reivindicação do terceiro setor, qual seja, a eliminação de um moroso trâmite burocrático para a obtenção do título. Isto é depreendido dos termos do art. 6º, § 3º, da lei em tela ("O pedido de qualificação somente será indeferido quando:"). O prazo para o deferimento ou indeferimento do pedido será de trinta dias, e, no caso de deferimento, o Ministério da Justiça terá quinze dias para expedir o certificado de qualificação. (§§ 1º e 2º do mesmo artigo).

Contudo, não há só elogios à normatização das OSCIP’s. Ainda há algumas insuficiências e contradições, que somente o evolver social e doutrinário, até culminar no legislativo, poderão resolver.

4.3. CRÍTICAS

Algumas severas críticas são levantadas contra as OSCIP’s, em virtude algumas de suas inconsistências. A mais grave delas consiste em apenas se permitir, nos termos do art. 18 e parágrafos da Lei 9790/99, a cumulação dos títulos de OSCIP com outros, até dois anos da data de vigência da Lei – posteriormente, a Medida Provisória 2.216-37, e 31 de agosto de 2001, a qual figura no rol das Medidas "perenizadas" pela Emenda Constitucional n.º 32, retardou por mais três anos o prazo limite para a opção. É o texto da Lei:

Art. 18. As pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, qualificadas com base em outros diplomas legais, poderão qualificar-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, desde que atendidos os requisitos para tanto exigidos, sendo-lhes assegurada a manutenção simultânea dessas qualificações, até dois anos contados da data de vigência desta Lei. (cinco anos, de acordo com a Medida Provisória nº 2.216-37, de 31.8.2001)

§ 1º Findo o prazo de dois anos, a pessoa jurídica interessada em manter a qualificação prevista nesta Lei deverá por ela optar, fato que implicará a renúncia automática de suas qualificações anteriores.

§ 2º Caso não seja feita a opção prevista no parágrafo anterior, a pessoa jurídica perderá automaticamente a qualificação obtida nos termos desta Lei.
Em verdade, pode-se inferir que esta norma consubstancia uma tentativa violenta no sentido do esvaziamento do já desgastado título de Utilidade Pública. Contudo, tal remédio traz efeitos colaterais danosos, revelando uma contradição com seus próprios objetivos. Ora, se uma das principais funções do título é conferir vantagens, e o título de OSCIP, por si só, não traz vantagens de monta, ao menos até o presente momento, verifica-se aí um contra-senso. A contradição revela-se justamente porque o título de Utilidade Pública é o que mais concede benefícios para as entidades do terceiro setor, e uma norma desse jaez apenas virá a afastar da qualificação em tela Organizações sérias, que não podem prescindir dos benefícios legais concedidos pelo Estado, para quedarem-se apenas com a expectativa do que poderá vir num futuro incerto. Daí porque mais acertado seria estender os benefícios já conferidos as Entidades de Utilidade Público às OSCIP’s, de modo a fortalecer a nova qualificação.

Outra postura criticável é a automática exclusão das Organizações Sociais das entidades que podem qualificar-se como OSCIP. Muito do raciocínio desenvolvido no parágrafo anterior é aplicável aqui; ademais, a normatização das entidades em vislumbre decorre do panorama normativo das OS, aproximando-as em muitos pontos. Daí porque não se entende a inserção desta proibição, a qual, aliás, não constava do projeto original.

Por outro lado, a Lei deixa lacunas significativas, que deverão ser integradas pela doutrina e jurisprudência pátrias, assim como pela prática administrativa. Por exemplo, em que pese trate a qualificação em tela como um ato a ser expedido no exercício da competência vinculada do administrador, não há qualquer preocupação em regular o processo administrativo, mormente no que se refere à desqualificação, limitando-se a estabelecer, em seu art. 7º, a ampla defesa e o devido contraditório, ou seja, algo que, excluído, não faria falta, vez que estes, como é sabido, são princípios constitucionais a nortear todos os processos, judiciais ou administrativos. A Lei não versa, tampouco, acerca de instrumentos para impedir o contingenciamento de recursos para a execução dos termos de parceria, sem o que se pode inviabilizar os projetos em curso.

Em que pesem essas anotações, não se pode deixar de reconhecer que as OSCIP representam um avanço muito grande em termos de normatização do Terceiro Setor no país. Apesar das contradições mencionadas tenderem a esvaziar o título, no início, o caminhar do tempo levará o legislador a conferir vantagens próprias para as entidades qualificadas com OSCIP’s, o que aumentará o interesse pelo título, o qual, registre-se é de muito boa qualidade jurídica.

Informações sobre o texto
Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT
BARRETO, Lucas Hayne Dantas. Terceiro setor: uma análise comparativa das organizações sociais e organizações da sociedade civil de interesse público. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 779, 21 ago. 2005. Disponível em: . Acesso em: 11 set. 2011.