sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Mudança de ambiente e evolução das ONGs - Terceiro Setor

Por Eduardo Baptista



No Brasil, a primeira geração de organizações sociais - voltadas para a ação educativa, política e cidadã como conhecemos hoje - surgiu no final do período de governo militar, em um território claramente delimitado pela contestação à ordem dominante e pela autonomia frente a governos, empresas, instituições filantrópicas e mercados.O espaço da contestação lhes era assegurado pela identificação política com os movimentos populares, as comunidades de base da periferia urbana ou do meio rural e os sindicatos. A identidade se confundia com o apoio que era prestado através de assessorias, capacitação e instrumentação teórica a esses movimentos e comunidades.

Esses serviços prestados, ainda que não fossem vistos como tais, eram vividos como compromissos da militância e parte do enfrentamento ideológico ao governo militar.

Nos dez anos seguintes, a reorganização político-partidária, a consolidação do movimento sindical, o restabelecimento da ordem democrática, a Constituição de 1988, foram alterando as relações e a fronteira entre a sociedade organizada e o Estado. Os limites de cada campo tornaram-se menos demarcados, as fronteiras mais permeadas, assim como as demandas foram tornando-se mais complexas e fragmentadas. Iniciou-se uma crescente busca de especialização, de autonomia e institucionalização de organizações sociais que se foi refletindo no espectro das parcerias estabelecidas e no padrão de financiamento de suas atividades.

Nessa época, foram eleitos os primeiros governos municipais ligados a partidos de esquerda que permitiram as primeiras colaborações entre ONGs e governos na execução de políticas públicas e no estabelecimento de convênios. Também começou a surgir uma nova geração de organizações sociais, em geral especializadas em temáticas como meio ambiente, criança e adolescente, aids, gênero etc. Essa segunda geração de organizações era menos dirigida para a ação política geral focada nos processos de educação popular, e mais atenta a ações específicas, a resultados mais imediatos e a múltiplas fontes de financiamentos.

Durante a década de 1990, nos principais países doadores de recursos financeiros às agências de cooperação ao desenvolvimento, o pensamento macroeconômico liberal foi tornando-se hegemônico e impondo novos critérios de gestão desses recursos, com ênfase especialmente na visibilidade das ações e em resultados mensuráveis. Como conseqüência, nos anos seguintes, uma nova política de cooperação para governos e agências de financiamento começou a se perfilar no horizonte com outra ordem de prioridades. Os campos dos direitos humanos, da alfabetização de jovens e adultos, da formação sindical, do desenvolvimento rural, que haviam sido objeto dos apoios financeiros da década anterior, começaram a ceder espaços para programas temáticos mais específicos como ecologia, saúde, minorias e formação profissional.

A própria opinião pública dos países doadores, impulsionada por campanhas de mídia que contestavam a eficiência dos resultados obtidos, começou a questionar o sentido da ajuda, face aos limitados resultados obtidos. A multiplicação de organizações sociais na América Latina e na África, e as demandas que se foram abrindo na Europa Oriental e partes da Ásia, também aumentaram o volume de solicitações e contribuíram para uma maior seletividade e re-direcionamento dos apoios internacionais oferecidos pelas agências de cooperação não governamentais.

Assim foram surgindo no horizonte fortes indicadores de mudanças. Muitas organizações sociais brasileiras – em particular as ONGs - foram sendo levadas a iniciar um processo de redefinição institucional e re-organização de suas estratégias de comunicação e visibilidade social. Progressivamente, as relações com a sociedade, os governos, os agentes financiadores e os beneficiários de suas ações foram sendo colocados sob nova ótica. O movimento das ONGs que até então era bastante homogêneo – enquanto modo de presença na sociedade e relações com governos – começou a cindir-se e a comportar abordagens diferenciadas quanto à modalidade de intervenção social e aos padrões de financiamento. A interlocução bilateral e as ações de colaboração pontual ou cooperações institucionalizadas - iniciadas com o poder público municipal - expandiram-se para os planos estadual e federal, acompanhando a trajetória da chegada ao poder dos partidos de esquerda ou centro-esquerda.

Financiamentos e cessão de quadros técnicos para a formulação e a execução de políticas públicas setoriais, não pararam de crescer nos últimos 15 anos e atingiram seu auge no atual governo federal. Em decorrência, progressivamente foram sendo abertos espaços para novas modalidades de parcerias ainda pouco conhecidas pelas organizações, como arranjos interinstitucionais, convênios, terceirização de serviços públicos. Algumas organizações chegaram a níveis de dependência dos recursos governamentais muito alto, colocando em risco sua sobrevivência futura, caso haja alguma mudança brusca nas orientações de governo.

A diversificação de fontes de financiamento, a entrada das instituições multilaterais no financiamento às organizações e uma certa despolitização das práticas sociais, foram gerando um novo quadro de identidade e funcionamento das organizações sociais, heterogêneo e desarticulado. As organizações com um lastro político maior, mais militantes e homogêneas, que se autodenominavam ONGs, foram se agrupando principalmente em torno da ABONG, que se tornou um campo distintivo próprio, mesmo considerando a existência de um relativo pluralismo interno. Essa diversificação do universo das organizações sociais e de suas linhas de ação e o estabelecimento de outras prioridades e formatos de novas parcerias institucionais estiveram cada vez mais presentes na segunda metade da década passada. Elas deram origem a uma terceira geração de organizações e moldaram as relações e posições atuais no campo do chamado Terceiro Setor que reúne as diversas organizações sociais, ONG, fundações, institutos sociais de empresas, clubes de serviço, associações civis, cooperativas etc. Uma multiplicidade de instituições sem identidade, algumas focalizadas principalmente nos resultados, outras nos processos e um grupo mais restrito, nos dois. Todas enfrentando o desafio de comunicar seus resultados e os impactos de suas ações, dentro de um “mercado” de financiamento cada vez mais multifacetado e mediatizado.

A chegada ao poder de um governo de centro-esquerda, por várias vias muito ligado à trajetória das ONGs e dos movimentos sociais, reforçou e ampliou muito o movimento de aproximação entre Estado e sociedade, de atuação comum entre governo e organizações sociais na execução de políticas públicas. As implicações, resultados, instrumentos de monitoramento e conseqüências são demandas para análise e avaliação que a exigüidade deste texto não comporta, mas que não pode ignorar.

Padrão de financiamento das ONGs e cooperação internacionalA maioria das agências de cooperação internacional, após mais de três décadas de financiamento a projetos institucionais e programas temáticos amplos, com causas apenas mitigadas e resultados limitados para os indicadores econômicos em ascensão, foi sendo levada a adotar novos critérios para a gestão de sua carteira de parceiros e projetos, com reflexo sobre as modalidades de financiamento, seleção e acompanhamento de organizações sociais e projetos.

Assim, essas organizações foram sendo incentivadas a adotar novos instrumentos de gestão, um conjunto de ferramentas advindas principalmente da administração de empresas. Assim, em uma década, as organizações sociais se viram às voltas com sistema de planejamento, beneficiários diretos e indiretos, indicadores de resultados, gestão financeira, posicionamento estratégico e até plano de negócios, visando a sustentabilidade do empreendimento social no médio prazo e o cumprimento de demandas dos agentes financiadores. Ressalta-se que o uso das ferramentas de per si é negativo, dependendo dos critérios, do conteúdo e do uso que lhes atribuímos e da forma como se processa seu assentamento na cultura das organizações sociais, que não são empresas. O uso de ferramentas de planejamento, gestão, monitoria e avaliação devem ser escolhas políticas das organizações e podem se transformar em instrumentos auxiliares de democratização interna e transparência na comunicação com a sociedade.

O padrão de financiamento das ações sociais vem passando por mudanças muito significativas nos últimos dez anos. As organizações de Cooperação Internacional não governamentais, tradicionais apoiadoras das atividades de ONGs desde os anos 1970, já não representam para muitas ONGs o único caminho de acesso a recursos financeiros. Muitos outros agentes como organismos multilaterais, órgãos governamentais e empresas, diretamente ou através de suas fundações, estão ampliando sua presença nesse campo e redesenhando as relações estabelecidas anteriormente.

Da mesma forma, financiamentos institucionais ou a programas temáticos vão dando lugar a apoio a projetos específicos de curta duração e a outras modalidades como concursos, premiações e consórcios. O universo dos financiamentos, restrito até o início da década de 1990 às relações com a Cooperação Internacional e a projetos institucionais de média duração, vai se tornando multifacetado.

Os direitos humanos e a educação popular, que foram temas centrais dos anos 1980, depois a ecologia, os movimentos de mulheres, etnias, saúde, crianças, desenvolvimento local, na década passada, vão cedendo espaço à questão da pobreza, da exclusão social, da inserção profissional, como comentado anteriormente. Diretamente voltadas para esses temas, outras fontes de financiamento como as instituições multilaterais e fundações empresariais vêm aumentando sua presença e difundindo outra cultura de cooperação, enquanto que as agências não governamentais históricas - que tiveram um papel fundamental na construção e consolidação das ONGs de primeira geração - vêm diminuindo sua presença ou o volume dos recursos oferecidos.

Com relação a estas agências, há que se considerar também que de forma crescente elas vêm atuando em conjunto, integrando seus meios e recursos, criando suas próprias redes e articulações, assumindo cada vez mais um papel de sujeitos políticos no cenário global. No Brasil, o debate sobre as modalidades de financiamento ao desenvolvimento ou a origem dos recursos é ainda incipiente, quase não existem estudos sobre a qualidade e o volume dos recursos da Cooperação Internacional que as ONGs recebem.

Por isso, questões como mudança no padrão de financiamento, estratégias de posicionamento e prioridades temáticas ou por grupos sociais não podem ser analisadas em maior profundidade fora de um quadro amplo de evolução do universo das organizações sociais e suas relações com os agentes financiadores. No entanto, apesar de ir muito além das questões da cooperação internacional objeto deste texto, não se pode ignorar que a globalização ampliou ainda mais as assimetrias entre os continentes e o processo de acumulação e exclusão entre o Norte e o Sul, que são reproduzidos também internamente nos países e regiões.


Caminhos e Perspectivas


O panorama atual do financiamento às organizações e projetos sociais é extremamente heterogêneo e não permite generalizações ou a elaboração de uma tipologia bem definida.4Convivem padrões, formatos e visões políticas muito diferenciadas, que podem desenvolver estratégias paralelas e até mesmo concorrentes. Até mesmo a existência de fronteiras não governamentais claramente distinguidas em o que era governo e o que era espaço privado já não é mais tão visível. As interferências recíprocas são crescentes. Ao longo da última década, a diversidade temática apoiada pelos financiadores locais ou internacionais ampliou-se consideravelmente e embora conjunturalmente alguns temas tenham merecido uma atenção especial em função das grandes conferências sociais das Nações Unidas, todas as áreas de interesse social estão contempladas, variando a modalidade e a intensidade do apoio.

No entanto, em sentido oposto, em geral, tem ocorrido uma redução das áreas temáticas apoiadas por cada agente financiador, como se gradualmente estivesse acontecendo entre as agências de cooperação uma certa especialização ou divisão de campo de atuação. Por outro lado, a busca de uma maior profissionalização de financiadores e financiados e a tentativa de racionalização de custos de gestão e melhor monitoramento têm produzido uma mudança no perfil dos projetos financiados. De uma forma crescente está ocorrendo uma concentração de recursos em menor número de parceiros e muitas agências de cooperação têm preferido ter menos parceiros, a reduzir o volume das doações a cada um deles, da mesma forma, fala-se mais em focalização de recursos e experiências exemplares que em universalização dos benefícios diretos da cooperação.

Para suprir esse espaço, novas formas de relações estão sendo construídas. Como exemplos que vão se generalizando temos o apoio de agências à criação de fundos de pequenos projetos e à realização de premiações que conferem além de diplomas, doações para iniciativas específicas da organização social concorrente. Em geral, são eventos com gestão e monitoramento realizado por instituição local. Muitos financiadores têm repassado recursos a grandes ONGs para a administração de fundos com esses perfis. Por último, outra tendência observada nos últimos anos, refere-se à orientação adotada por muitas agências e organismos de cooperação em valorizar em seus apoios financeiros a promoção e implementação temática das grandes conferências sociais de Nações Unidas.

Essa estratégia respondeu a uma análise de convergência de interesses da cooperação internacional, de articulação da sociedade civil mundial e em certa medida, revelava uma certa globalização da atuação da chamada cooperação internacional, de agentes e organizações sociais. Mas essa etapa parece estar terminando sem que tenham surgido indicações concretas de novas orientações que seriam adotadas por essas agências. Pelo visto conviveremos por algum tempo com a ausência de um padrão de financiamento.

Os compromissos assumidos nos grandes acordos internacionais de cooperação ao desenvolvimento ainda levarão tempo para serem implementados. Do outro lado, as ONGs tenderão a ser chamadas – de forma crescente – a dar mais transparência à sua gestão, a comunicar os resultados de suas ações e a diversificar sua sustentabilidade financeira no médio prazo. Um desafio para atores sociais em busca de novos significados.




quinta-feira, 10 de novembro de 2011

MP SP - III Congresso Brasileiro de Fundações e Entidades de Interesse Social em São Paulo

Acontecerá no dia 21 de novembro de 2011.



O movimento fundacional reúne-se, novamente em terras bandeirantes, para refletir o caminho percorrido pelo Terceiro Setor nos últimos anos e os rumos a serem abraçados.
O idealismo e a determinação destacaram-se entre as virtudes a dignificar as ações desenvolvidas pelas fundações e entidades de interesse social, que laboraram para alterar a realidade social visando trazer mais bem-estar à sociedade, especialmente à parcela apartada de seus direitos constitucionais, carente de benefícios, em cultura, em ensino com qualidade e em facilidades fruto do desenvolvimento tecnológico.
Objetivando aprofundar essa discussão e ampliar os entendimentos, no dia 21 de novembro próximo, o III Congresso Brasileiro de Fundações e Entidades de Interesse Social em São Paulo reunirá ilustres autoridades, formadores de opinião, dirigentes e colaboradores de fundações e de entidades de interesse social e notórios estudiosos para debater temas de grande magnitude, tais como:
- O Papel do Terceiro Setor no Brasil e Perspectivas;- A Participação das Instituições do Terceiro Setor nas Ações de Estado;- A Qualidade no Serviço Social junto ao Terceiro Setor;- A Lei da Filantropia – Debates para Proposta de Alteração Legislativa;- As Novas Regras da Contabilidade para o Terceiro Setor;- As Fundações de Apoio e Perspectivas de Regulação;- O Velamento das Fundações e a Fiscalização das Associações pelo MP;- A Gestão e a Profissionalização nas Entidades do Terceiro Setor;- As Fundações Partidárias;- O Terceiro Setor e o Governo – Perspectivas.

AIRTON GRAZZIOLI
Coordenador

8:30h – Abertura Oficial
Hino Nacional: Maestro João Carlos Martins e Ritmistas da “Vai-Vai”.
9:30h – Conferência I
Tema: O papel do Terceiro Setor no Brasil e suas perspectivas
Conferencista: Fernando Henrique Cardoso – Presidente da República 1995-2002
10:30h – Conferência II
Tema: A participação das Fundações e Entidades de Interesse Social nas ações do Estado
Conferencista: Gilberto Carvalho - Ministro-Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República
11:30h – Conferência III
Tema: A qualidade no serviço social junto ao Terceiro Setor
Conferencista: Eurípedes Sales – Conselheiro do TCM

12:15h – Almoço no Local
14:00h – Painéis Concomitantes

16:00h – Conferência IV
Tema: O Terceiro Setor e o Governo – Perspectivas
Conferencista: Michel Temer – Vice-Presidente da República
17:00h – Encerramento
Airton Grazzioli – MP-SP
17:10h – Lançamento da Obra
“Fundações privadas – Das relações de poder à responsabilidade dos dirigentes”
Airton Grazzioli


Painel 1
Tema: A Lei da Filantropia - Debates para proposta de alteração legislativa
Moderador: Lucia Bludeni – Advogada e Conselheira da OAB SP
Debatedor 1: Ana Carolina Pinheiro Carrenho – Advogada e Conselheira CNAS
Debatedor 2: Gustavo Justino de Oliveira – Advogado e Professor da USP
Debatedor 3: José Tadeu Menck – AdvogadoDebatedor 4: Sérgio Roberto Monello – Advogado

Painel 2
Tema: As novas regras da contabilidade para o Terceiro Setor
Moderador: José Antônio de França – Conselho Federal de Contabilidade
Debatedor 1: Álvaro Pereira de Andrade – Conselho Federal de Contabilidade
Debatedor 2: Marcelo Monello – Conselho Regional de Contabilidade - SP

Painel 3
Tema: As Fundações de Apoio e perspectivas de regulação
Moderador: Flavio Fava de Moraes - Reitor da USP - 1993-1997
Debatedor 1: Cássio de Mesquita Barros - Professor da Faculdade de Direito da USP
Debatedor 2: Isaias Custódio - Professor da FEA - USP

Painel 4
Tema: O velamento das Fundações e a fiscalização das Associações pelo MP
Moderador: Leo Charles Bossard - MP CE - Presidente da PROFIS
Debatedor 1: José Eduardo Sabo Paes - MP DF
Debatedor 2: Marcelo Henrique dos Santos - MP GO

Painel 5
Tema: Gestão e profissionalização nas entidades do Terceiro Setor
Moderador: Sérgio Loyola - Fundação Salvador Arena
Debatedor 1: Luiz Carlos Merege - FGV
Debatedor 2: Eduardo Szazi - GIFE

Painel 6
Tema: As Fundações partidárias
Moderador: Luiz José Bueno de Aguiar - Advogado
Debatedor 1: Carlos Eduardo Caputo Bastos - Ministro do TSE-2000-2008
Debatedor 2: Paulo Haus Martins - Advogado

Fonte: http://www.3congressompsp.com.br/programacao.html

Prestação de contas das ONGs são os prováveis motivos de fraudes para o desvio de recursos públicos

Por Geraldo Carlos Silvestre


Em decorrência das denúncias sobre suposto envolvimento do ex-ministro dos esportes, Orlando Silva, em procedimentos fraudulentos para desvio de recursos financeiros destinados a parcerias com entidades não governamentais, o Governo, além de substituir o ministro, publicou no dia 31 de outubro, no Diário Oficial da União, o Decreto nº 7592 de 28 outubro de 2011, suspendendo por 30 dias qualquer tipo de transferência de recursos para entidades privadas sem finalidade de lucros, também conhecidas com ONGs. Determinando também que no prazo de suspensão os órgãos da administração pública devem avaliar a regularidade da execução dos convênios, contratos de repasse e termos de parcerias vigentes até o dia 16 de outubro de 2011.
Os alvos da suspensão de transferência de recursos são as entidades privadas sem finalidade de lucro diretamente qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs). A qualificação como OSCIP é outorgada por ato do Ministério da Justiça e requer, entre outras exigências, que a entidade não distribua entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os apliquem integralmente na consecução do respectivo objeto social. De acordo com Associação Brasileira das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (ABRASCIP), até o mês de outubro de 2011, o Ministério da Justiça registrava 5.936 OSCIPs, todas prontamente habilitadas para firmar convênios e parcerias com o Governo.
As OSCIPs que recebem recursos do Governo são aquelas que têm Termo de Parceria firmado para execução de algum projeto de interesse da comunidade.
O surgimento dessa sistemática de parceria é fruto da Lei 9.790/1999, regulamentada pelo Decreto 3.100/99. A Lei 9.790/1999, ganhou status de marco regulatório entre as relações governamentais e as entidades do Terceiro Setor, o qual congrega as ONGs de todas as naturezas e finalidades. A Lei também representou uma iniciativa de identificar, qualificar e selecionar as entidades do Terceiro Setor com base em procedimentos simplificados, mas ao mesmo tempo garantir parcerias confiáveis e reduzir o risco de desvios, fraudes e uso indevido dos recursos públicos repassados.
Uma das principais argumentações para aprovação da Lei das OSCIPs foi a de que os procedimentos e regras, até então aplicados para a obtenção de acesso aos benefícios governamentais e formalização de convênios eram excessivos. Por outro lado, após cumpridas as exigências não existiam critérios e controles adequados e suficientes para avaliação dos resultados da aplicação dos recursos públicos. Isso significava que existia um alto rigor burocrático para concessão dos recursos governamentais, mas quase nenhum monitoramento e fiscalização da sua destinação e resultados.
A intenção de uma entidade sem fins lucrativos em se qualificar como OSCIP é poder firmar Termo de Parceria com União, Estados ou Municípios, por meio de seus órgãos da administração pública, o qual passa a ser denominado Parceiro Público.
O Termo de Parceria é o instrumento que determina as formas de cooperação e prestação de contas entre uma entidade e o Parceiro Público. A prestação de contas está prescrita para ocorrer anualmente mediante a apresentação dos seguintes documentos:
a) Relatório anual de execução de atividades;
b) Demonstrações contábeis;
c) Parecer e relatório da auditoria para as OSCIPs que receberam recursos em montante igual ou superior a R$ 600 mil. O Decreto 3.100/1999, para os propósitos específicos da Lei 9790/99, define prestação de contas como sendo a comprovação, perante o Parceiro Público da correta aplicação dos recursos públicos recebidos e do adimplemento do objeto do Termo de Parceria.


Destaca-se que apenas as entidades que receberam recursos em montante igual ou superior a R$ 600 mil, estão obrigadas a submeter sua contabilidade a uma auditoria independente.
O assunto pode ser abordado em duas vertentes. A primeira, relacionada com a intenção e necessidade de fomento das entidades do Terceiro Setor, neste caso, representada pelas OSCIPs. Nesse sentido, é plausível a simplificação dos requisitos viabilizando e encorajando que instituições sérias tenham acesso facilitado para obter recursos para execução de projetos de interesse comunitários, ampliando a aplicação das políticas públicas nas mais diversas atividades. A outra vertente, diz respeito aos mecanismos de controle estabelecidos para garantir que os recursos financeiros repassados pelo Governo sejam aplicados em conformidade com o objeto do Termo Parceria. Nesse caminho temos que tomar a auditoria independente como um instrumento de controle indispensáv el. Uma análise superficial pode facilmente nos conduzir à conclusão que a auditoria não deve ser aplicada a todos os projetos, fazendo-nos digerir com certa tranquilidade que o valor de corte para determinação de auditoria independente, faz sentido. O investimento público deve ser tratado, para todos os fins, pelo conjunto e não isoladamente. Um dos aspectos que podem incentivar as tentativas e ocorrências de fraudes seria a percepção ou a certeza de deficiência nos controles. Dessa forma, para esses propósitos, e tratando a auditoria como uma instância de controle, principalmente quando se trata de recursos públicos, o afastamento da auditoria independente pode ser considerado um grande estímulo para atuação de pessoas e instituições mal intencionadas, sendo até provável que as fraudes e nvolvendo repasses de recursos públicos estejam concentradas nos Termo de Parceria de valores inferiores a R$ 600 mil.
Assim, o ato presidencial de suspender a transferência de recursos para levantamento de pendências, considerando os aspectos de controle e sob esse olhar, não se caracteriza em uma medida corretiva de grande impacto para reduzir os riscos de fraudes. Apenas serão sanadas eventuais pendências que não deveriam existir, a julgar pela simplificação que justificou a Lei da OSCIPs. Os riscos de fraudes, em decorrência da falta de auditoria independente, para Termos de Parceria de valor inferior a R$ 600 mil permanecerão.


Geraldo Carlos Silvestre é diretor da Moore Stephens Auditores e Consultores(, www.moorestephens.com.br, www.twitter.com/@moorestephensbr e www.msbrasil.com.br/blog).


Os Modelos Gerenciais das Organizações Sociais: do Contrato de Gestão à Prática | FGV-EAESP Escola de Administração de Empresas de São Paulo

Os Modelos Gerenciais das Organizações Sociais: do Contrato de Gestão à Prática FGV-EAESP Escola de Administração de Empresas de São Paulo

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Lei de Licitações não se aplica a ONGs

Fonte: http://www.conjur.com.br/2011-nov-01/direito-defesa-lei-licitacoes-nao-aplica-ongs



Por Pierpaolo Cruz Bottini

As ONGs são a bola da vez. As suspeitas sobre repasses indevidos ou recursos desviados no Ministério dos Esportes acarretaram na demonização dos destinatários das verbas. O governo federal suspendeu convênios, recursos e entendeu por bem reorganizar o formato da parceria destas entidades com o Estado.

Não se quer aqui discutir a pertinência ou a adequação do modelo de fomento de projetos em conjunto com organizações não governamentais, estimulado a partir do final da década de 90 pelo Programa Nacional de Publicização, com as edições da Lei 9.637/98 (Organizações Sociais) e da Lei 9.790/99 (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, Oscips). Trata-se de um sistema de fomento de organizações particulares para a prática de atividades de interesse público, essencialmente por parcerias público-privadas, instumentalizadas por contratos de gestão ou termos de parceria.

O objetivo aqui é discutir o tratamento penal dispensado a tais organizações quando constatados indícios de irregularidades na celebração de convênios ou na execução de serviços. No plano criminal, são comuns denúncias contra OSs e Oscips pela prática dos crimes de licitação previstos na Lei 8.666/93, especialmente quando se verifica o direcionamento na escolha da entidade a celebrar convênio com o Estado, ou quando esta entidade subcontrata empresas ou terceiros para colaborar na execução dos projetos sem licitação ou outro processo de seleção ou concurso.

Não parece que tais práticas sejam crimes de licitação. Gostemos ou não, o regime de parceria do Poder Público com tais entidades — em especial com as Organizações Sociais e Oscips — não é regido pela lei de licitações. A celebração de termos de parceria ou convênios do Estado com tais entidades não exige o certame previsto pela Lei 8.666/93, assim como a subcontratação pela entidade de terceiros para ajudar nas atividades também não é regido pelo diploma legal indicado.

A relação entre o Poder Público e as OSs ou Oscips não tem natureza contratual. Não se trata de uma relação comercial, em que o interesse do governo é a realização de atividade de interesse público e o objetivo do contratado é a remuneração pelo serviço que presta. Os termos de parceria ou contratos de gestão são uma conjugação de esforços para um objetivo comum entre os parceiros, como ocorre nos convênios. Não existem interesses distintos, mas o mesmo interesse em fomentar uma atividade, um programa, um projeto de relevância social.

Por não se tratar de contrato, o ajuste em discussão não é regido pela Lei 8.666/93. Parece adequado, aqui, o voto do ministro Luiz Fux, na ADI 1.923/DF, ainda não julgada no mérito: “Por não se tratar de contratos administrativos, não cabe falar em incidência do dever constitucional de licitar, restrito ao âmbito das contratações (CF, art.37, XXI)”. Ainda que o voto discuta apenas o regime das Organizações Sociais, suas razões parecem perfeitamente extensíveis às Oscips.

Isso não significa, por evidência, que o processo de seleção destas entidades não deva seguir os princípios constitucionais da moralidade e impessoalidade, bem como as regras das Leis 9.637/98 e 9.790/99 — Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, Oscips. Como afirmou o ministro Luiz Fux, no voto citado, “(...) impõe-se que o Poder Público conduza a celebração do contrato de gestão por um procedimento público, impessoal e pautado por critérios objetivos, ainda que, repita-se, sem os rigores formais da licitação ta como concebida pela Lei 8.666/93 (...)”. O STJ seguiu a mesma linha ao apontar que “o contrato de gestão no serviço público não exige, para sua elaboração, licitação por ser celebrado com organizações sociais para prestação de serviços” (STJ, Resp 952.899, Rel. Min. José Delgado, 1ª T, um. j.03.06.08)

Da mesma forma, a subcontratação de empresas ou pessoas para colaborar nos projetos não impõe o certame licitatório. As Leis das OSs e Oscips determinam que tais entidades devem publicar regulamento próprio contendo os procedimentos que adotarão para contratação de obras, serviços e compras — respectivamente, artigos17 e 14, mas tais procedimentos não são tecnicamente licitação. Segue ainda o ministro Fux: “As organizações sociais, como já dito, não fazem parte da Administração Pública Indireta, figurando no Terceiro Setor. Possuem, com efeito, natureza jurídica de direito privado (Lei 9.637/98, art.1º, caput), sem que sequer estejam sujeitas a um vínculo de controle jurídico exercido pela Administração Pública em suas decisões. Não são, portanto, parte do conceito constitucional de Administração Pública” e mais adiante “as Organizações Sociais não estão sujeitas às regras formais do art.37, de que seria exemplo a regra da licitação, mas sim apenas à observância do núcleo essencial dos princípios definidos no caput”. Parece que todo o raciocínio desenvolvido para as OSs é aplicável às Oscips, como aventado.

Assim, mesmo que descumpridas as regras de pessoalidade e moralidade, não é cabível a imputação pelos crimes da Lei 8.666/93, porque o regime de licitação não se aplica à entidade selecionada para executar o Termo de Parceria ou o Contrato de Gestão, ou para a subcontratação pela entidade dos parceiros na execução do projeto. Os tipos penais previstos na Lei fazem referência explicita à licitação e à contratação, a excluir do seu núcleo os Contratos de Gestão e Termos de Parceriaque instrumentalizam, respectivamente, a relação entre governo e OSs ou Oscips. A inadmissibilidade da analogia na interpretação da lei penal afasta qualquer incidência das normas em comento sobre as atividades das entidades em discussão.

Isso não afasta o uso de sanções administrativas diante de indícios de direcionamento para beneficiar entidades especificas, com a desvirtuação do principio da pessoalidade. Mas a interpretação extensiva da norma penal não pode ser admitida nesta seara, sob pena de legitimação da ampliação contra legem da repressão criminal.

Pierpaolo Cruz Bottini é advogado e professor de Direito Penal na USP. Foi membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e secretário de Reforma do Judiciário, ambos do Ministério da Justiça.