quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Prestação de contas das ONGs são os prováveis motivos de fraudes para o desvio de recursos públicos

Por Geraldo Carlos Silvestre


Em decorrência das denúncias sobre suposto envolvimento do ex-ministro dos esportes, Orlando Silva, em procedimentos fraudulentos para desvio de recursos financeiros destinados a parcerias com entidades não governamentais, o Governo, além de substituir o ministro, publicou no dia 31 de outubro, no Diário Oficial da União, o Decreto nº 7592 de 28 outubro de 2011, suspendendo por 30 dias qualquer tipo de transferência de recursos para entidades privadas sem finalidade de lucros, também conhecidas com ONGs. Determinando também que no prazo de suspensão os órgãos da administração pública devem avaliar a regularidade da execução dos convênios, contratos de repasse e termos de parcerias vigentes até o dia 16 de outubro de 2011.
Os alvos da suspensão de transferência de recursos são as entidades privadas sem finalidade de lucro diretamente qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs). A qualificação como OSCIP é outorgada por ato do Ministério da Justiça e requer, entre outras exigências, que a entidade não distribua entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os apliquem integralmente na consecução do respectivo objeto social. De acordo com Associação Brasileira das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (ABRASCIP), até o mês de outubro de 2011, o Ministério da Justiça registrava 5.936 OSCIPs, todas prontamente habilitadas para firmar convênios e parcerias com o Governo.
As OSCIPs que recebem recursos do Governo são aquelas que têm Termo de Parceria firmado para execução de algum projeto de interesse da comunidade.
O surgimento dessa sistemática de parceria é fruto da Lei 9.790/1999, regulamentada pelo Decreto 3.100/99. A Lei 9.790/1999, ganhou status de marco regulatório entre as relações governamentais e as entidades do Terceiro Setor, o qual congrega as ONGs de todas as naturezas e finalidades. A Lei também representou uma iniciativa de identificar, qualificar e selecionar as entidades do Terceiro Setor com base em procedimentos simplificados, mas ao mesmo tempo garantir parcerias confiáveis e reduzir o risco de desvios, fraudes e uso indevido dos recursos públicos repassados.
Uma das principais argumentações para aprovação da Lei das OSCIPs foi a de que os procedimentos e regras, até então aplicados para a obtenção de acesso aos benefícios governamentais e formalização de convênios eram excessivos. Por outro lado, após cumpridas as exigências não existiam critérios e controles adequados e suficientes para avaliação dos resultados da aplicação dos recursos públicos. Isso significava que existia um alto rigor burocrático para concessão dos recursos governamentais, mas quase nenhum monitoramento e fiscalização da sua destinação e resultados.
A intenção de uma entidade sem fins lucrativos em se qualificar como OSCIP é poder firmar Termo de Parceria com União, Estados ou Municípios, por meio de seus órgãos da administração pública, o qual passa a ser denominado Parceiro Público.
O Termo de Parceria é o instrumento que determina as formas de cooperação e prestação de contas entre uma entidade e o Parceiro Público. A prestação de contas está prescrita para ocorrer anualmente mediante a apresentação dos seguintes documentos:
a) Relatório anual de execução de atividades;
b) Demonstrações contábeis;
c) Parecer e relatório da auditoria para as OSCIPs que receberam recursos em montante igual ou superior a R$ 600 mil. O Decreto 3.100/1999, para os propósitos específicos da Lei 9790/99, define prestação de contas como sendo a comprovação, perante o Parceiro Público da correta aplicação dos recursos públicos recebidos e do adimplemento do objeto do Termo de Parceria.


Destaca-se que apenas as entidades que receberam recursos em montante igual ou superior a R$ 600 mil, estão obrigadas a submeter sua contabilidade a uma auditoria independente.
O assunto pode ser abordado em duas vertentes. A primeira, relacionada com a intenção e necessidade de fomento das entidades do Terceiro Setor, neste caso, representada pelas OSCIPs. Nesse sentido, é plausível a simplificação dos requisitos viabilizando e encorajando que instituições sérias tenham acesso facilitado para obter recursos para execução de projetos de interesse comunitários, ampliando a aplicação das políticas públicas nas mais diversas atividades. A outra vertente, diz respeito aos mecanismos de controle estabelecidos para garantir que os recursos financeiros repassados pelo Governo sejam aplicados em conformidade com o objeto do Termo Parceria. Nesse caminho temos que tomar a auditoria independente como um instrumento de controle indispensáv el. Uma análise superficial pode facilmente nos conduzir à conclusão que a auditoria não deve ser aplicada a todos os projetos, fazendo-nos digerir com certa tranquilidade que o valor de corte para determinação de auditoria independente, faz sentido. O investimento público deve ser tratado, para todos os fins, pelo conjunto e não isoladamente. Um dos aspectos que podem incentivar as tentativas e ocorrências de fraudes seria a percepção ou a certeza de deficiência nos controles. Dessa forma, para esses propósitos, e tratando a auditoria como uma instância de controle, principalmente quando se trata de recursos públicos, o afastamento da auditoria independente pode ser considerado um grande estímulo para atuação de pessoas e instituições mal intencionadas, sendo até provável que as fraudes e nvolvendo repasses de recursos públicos estejam concentradas nos Termo de Parceria de valores inferiores a R$ 600 mil.
Assim, o ato presidencial de suspender a transferência de recursos para levantamento de pendências, considerando os aspectos de controle e sob esse olhar, não se caracteriza em uma medida corretiva de grande impacto para reduzir os riscos de fraudes. Apenas serão sanadas eventuais pendências que não deveriam existir, a julgar pela simplificação que justificou a Lei da OSCIPs. Os riscos de fraudes, em decorrência da falta de auditoria independente, para Termos de Parceria de valor inferior a R$ 600 mil permanecerão.


Geraldo Carlos Silvestre é diretor da Moore Stephens Auditores e Consultores(, www.moorestephens.com.br, www.twitter.com/@moorestephensbr e www.msbrasil.com.br/blog).


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