quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Mudança climática-Índia: Faça a sua geleira


Mudança climática-Índia: Faça a sua geleira
Por Athar Parvaiz, da IPS
Ladakh, Índia, 25/11/2009 –

Para enfrentar os efeitos do aquecimento global nas montanhas do Himalaia, um indiano lançou uma ideia original que pode ser aplicada também em outras áreas do mundo: criar glaciais artificiais. Para esta árida região que raramente vê chuva, as geleiras são uma fundamental fonte de água, mas estão diminuindo rapidamente. Os agricultores encontram cada vez mais dificuldades para cultivar suas terras. A água é muito escassa quando mais necessitam dela para irrigar seus campos.Chwang Norphel, de 74 anos, ex-engenheiro civil do governo indiano, encontrou uma forma singular de enfrentar este problema. Não, não tem o poder de deter o derretimento dos gelos, mas é pioneiro na criação de geleiras artificiais que ajudam os agricultores a superarem a crise de irrigação na temporada de maior necessidade para o cultivo. Em entrevista à IPS, Norphel falou sobre sua invenção, que lhe valeu em seu país o apelido de “Homem glacial”, e também de suas lutas e suas esperanças.

IPS – A ideia de criar geleiras artificiais está lentamente ganhando ampla aceitação. Conte um pouco sobre o conceito geral.

Chewang Norphel – A criação de geleiras artificiais é uma técnica de conservação de água em altitude elevada diante da mudança climática. Os glaciais estão retrocedendo rapidamente, e os invernos ficam cada vez mais curtos e mais quentes. Assim, a pouca neve que cai derrete rapidamente. A água derretida da neve e das geleiras flui para os rios sem que possa ser usada (pelos agricultores) durante a maior parte do ano, e estes não podem encontrar nada de água quando precisam dela durante a temporada de nevadas.Portanto, a construção de geleiras artificiais é um meio de coletar a água derretida para as necessidades de irrigação dos agricultores. Os glaciais naturais estão bem no alto das montanhas e derretem lentamente no verão. Assim, chegam às aldeias em junho, enquanto as geleiras artificiais começam a derreter na primavera, bem quando ocorre a primeira necessidade de irrigação, chamada “thachus”, que significa “água germinadora”.

IPS – Como são criadas as geleiras artificiais?

CN – Trata-se de uma técnica simples de coletar água, adequada para os desertos frios em elevada altitude que são totalmente dependentes das geleiras. A água derretida em diferentes altitudes é desviada para a parte da montanha que se encontra na sombra, de face para o norte, onde o sol do inverno é bloqueado pela pendente. Quando começa o inverno (boreal, em novembro) a água desviada flui para a parte inclinada da colina através de canais de distribuição desenhados de forma adequada.São construídos muros de contenção de pedra em intervalos regulares, impedindo o fluxo de água e criando tanques pouco profundos. Nas câmaras de distribuição são instalados canos de 38 milímetros a cada 1,5 metro para haver um fornecimento adequado. A água flui em pequenas quantidades e baixa velocidade através da tubulação e se congela de forma instantânea. O processo de formação do gelo prossegue por três ou quatro meses de inverno, e uma grande quantidade de água congelada acumula-se na pendente da montanha. Isto é acertadamente chamado de “geleira artificial”.

IPS – Quantos agricultores são favorecidos pelas geleiras artificiais?

CN – Já que são construídas perto de uma aldeia, todas as famílias que a habitam se favorecem por igual. Oitenta por cento dos produtores de Leh (capital de Ladakh) dependem do derretimento dos glaciais para irrigar suas terras, onde cultivam verduras, cevada e trigo. Até agora criamos oito glaciais vizinhos a muitas aldeias, ajudando os agricultores que vivem nelas. Quando a instalação se estender a todas as aldeias, todos os produtores serão favorecidos.

IPS – Quais os outros benefícios das geleiras artificiais?

CN – Além de solucionar o problema de irrigação, ajudam a recarregar a água subterrânea e estimulam o rejuvenescimento que se produz na primavera. Permitem que os agricultores tenham duas colheitas ao ano, ajudam a desenvolver pastagens para o gado e conseguem reduzir as disputas entre os fazendeiros pela distribuição da água. Também ajudam a gerar confiança nos produtores de regiões áridas como Ladakh. Os aldeões podem ganhar dinheiro e continuar sendo agricultores.

IPS – Como o senhor teve essa ideia?

CN – Você sabe, nas regiões frias deixamos meio aberta a torneira de nossos banheiros durante as noites de inverno para impedir que a água congele no cano. Uma bela manhã me dei conta de que a água se congelava em nosso jardim. Me ocorreu que se poderia formar pequenas geleiras artificiais da mesma forma. Por ter viajado à maioria dos lugares da região como engenheiro do governo até 1986, conhecia sua completa topografia. Pensei que as áreas sombreadas nas cordilheiras baixas poderiam ser usadas para esse fim. Isso levou, em 1987, à criação da primeira geleira artificial na aldeia de Phuktse Phu usando este método simples.

IPS – Quanto custa criar uma geleira artificial?

CN – Depende do lugar. Geralmente, custa entre US$ 5 mil e US$ 6 mil.

IPS – O que mais é preciso para construir uma estrutura desse tipo?

CN – Os aldeões são os principais atores. Seu envolvimento é crucial para a sustentabilidade do projeto. Uma comunidade contribui para a construção e manutenção dos glaciais, tornando o projeto sustentável e benéfico no longo prazo.

IPS – De onde vem o financiamento para criar as geleiras artificiais?

CN – Os fundos para as geleiras artificiais perto da aldeia de Stakmo procedem do exército da Índia, enquanto para outros chegam dos programas governamentais de desenvolvimento hídrico. Recentemente, o Departamento de Ciência e Tecnologia começou a fornecer fundos para a reabilitação de geleiras artificiais danificadas. O financiamento é da organização não-governamental Projeto pela Nutrição em Leh.

IPS – Quais os desafios para se construir um glacial artificial?

CN – Dinheiro é um problema, porque demora muito para consegui-lo. Por outro lado, o interesse dos habitantes em ajudar começa a diminuir. Antes costumavam se apresentar como voluntários para a criação desses recursos coletivos, mas agora não. Conseguem grãos subsidiados do governo, o que os deixa um tanto indolentes. A falta de acesso das estradas e os altos custos do transporte de materiais são outros problemas que enfrentamos, pois temos de trabalhar a uma altitude de 4.600 metros acima do nível do mar.

IPS – Seu modelo de geleira artificial pode ser aplicado a outras partes?

CN – Como disse, a técnica é fácil e simples, e pode ser aplicada em regiões similares a Ladakh do ponto de vista climático e geográfico, como Spiti, em Hamachal Pradech, na Índia, ou em alguns países da Ásia central, com Cazaquistão e Quirguistão. Esta tecnologia pode ser aplicada em áreas que têm entre 4.666 e 5.333 metros de altitude, temperatura entre 15 e 20 graus negativos durante o inverno e longos períodos invernais de quatro a cinco meses, o que garante maior expansão e formação de geleiras.


IPS – Os líderes do mundo se reunirão em Copenhague em dezembro para uma conferência sobre a mudança climática. Como alguém que ajuda a enfrentar o problema da adaptação, qual sua mensagem para eles?

CN – Minha humilde sugestão aos povos das regiões que já sofreram o impacto da mudança climática ou sofrerão no futuro é que devem agir. Para os líderes mundiais, meu humilde pedido para que trabalhem duro a fim de elaborar um acordo que salvaguarde o futuro e os interesses da população de todo o planeta. (IPS/Envolverde)

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