terça-feira, 10 de novembro de 2009

Códigos de ética em empresas. Para que servem?

Por Ricardo Voltolini

Para que um código funcione, no entanto, é fundamental ater-se a alguns procedimentos. Recentemente, após uma análise de alguns dos melhores códigos de ética de empresas brasileiras, identifiquei entre eles oito fatores comuns, certamente associados ao seu êxito. O primeiro diz respeito á amplitude dos temas cobertos e aos desdobramentos para as diferentes partes interessadas. O segundo se refere ao envolvimento desses públicos na elaboração e divulgação dos códigos a partir de consultas e sondagens em painéis. O terceiro ponto está relacionado à educação do público interno, feita normalmente por meio de ações corporativas específicas (seminários, DVDs, e-learning) que possibilitam conhecer e se apropriar dos conteúdos, aplicando-os no cotidiano de suas atividades profissionais. E o quarto tem a ver com a capacitação de agentes multiplicadores na organização.

Como quinta variável, destaca-se o mapeamento de vulnerabilidades. Nele, as corporações identificam áreas nas quais a questão ética pode ser mais crítica e, por consequência, reforçam ações de educação e sensibilização. Quando necessário, elaboram códigos de conduta departamentais ou temáticos. O sexto fator é a definição de estruturas e fluxos para recebimento de denúncias de violação do código e encaminhamento de soluções.

Já o sétimo e o oitavo pontos contemplam as revisões e o lançamento. Como a realidade de atuação das empresas é dinâmica, os códigos precisam sofrer revisões, no mínimo bienais, para atualização e aperfeiçoamento. Uma ação forte, marcante e simbólica, além de comunicação regular, são fundamentais para conferir rimportância institucional a este tipo de instrumento. Ou então ele será apenas um conjunto de palavras bonitas, sem eco, para pendurar no mural.


Ricardo Voltolini é publisher da revista Idéia Socioambiental e diretor da consultoria Idéia Sustentável: Estratégia e Conhecimento em sustentabilidade.
ricardo @ideiasustentavel.com.br

Estudos apontam a situação do lixo no Brasil — EcoDesenvolvimento

Estudos apontam a situação do lixo no Brasil — EcoDesenvolvimento

Panorama da Administração de Organizações orientadas por valores



  1. As seguintes proposições, para que as organizações tenham mais sucesso:

Os conselhos precisam assumir a responsabilidade de "governar as organizações". Precisam delegar "administração" a executivos de primeira linha e a seus empregados remunerados.

O processo de administração estratégica é uma maneira de enfocar os diversos elementos dessas organizações no que diz respeito a seus objetivos.

Fazer com que o processo de administração funcione eficientemente é mais importante que encontrar a estrutura correta. Os processos de planejamento e de gerenciamento de pessoas, habilitando-as a participar e monitorar o próprio desempenho, são igredientes fundamentais para a administração eficiente.

As estruturas de administração, conselho e comissões precisam tornar-se cada vez mais flexíveis, realizando sempre pequenos ajustes necessários e não revisões do tipo "uma vez na vida".

Os executivos principais precisam tanto administrar suas organizações como proporcionar-lhes liderança, criando um sentido de missão, inspirando as pessoas e orientando a organização na conquista de objetivos ambiciosos.

Os administradores precisam assumir responsabilidades, trabalhar como parte de uma equipe e aprender a sutil arte de planejar e delegar, responsabilizando os indivíduos.

FONTE: Hudson, Mike. Administrando Organizações do Terceiro Setor. São Paulo: Makron Books, 1999.

Copenhague/09

Nuvens marrons e as geleiras
Por Keya Acharya, da IPS
Nova Déli, 10/11/2009 – Sem importar qual seja o resultado da conferência internacional sobre mudança climática de dezembro em Copenhague, haverá aumento de 2,5 graus centígrados nas temperaturas do planeta. O diretor de Ciências Atmosféricas do Instituo Scripps de Oceanografia na Universidade da Califórnia-Berleley, Veerabhadra Ramanathan, previu que esse aumento será causado pelas “incrivelmente complexas camadas” de contaminação que chamou de “nuvens atmosféricas marrons” (ABC, sigla em inglês). Em uma reunião da Federação Internacional de Jornalistas Ambientais realizada na capital da Índia no mês passado, Ramanathan alertou que se os governos se voltarem à redução das emissões de gases causadores do efeito estufa mas não combaterem igualmente as ABC, praticamente não se poderá deter o aumento das temperaturas.“Mesmo se a Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP 15) do mês que vem em Copenhague tiver êxito em acordar uma redução até 2050 de metade de todas as emissões de gases-estufa, que atualmente chegam a 8,5 bilhões de toneladas ao ano, estas permanecerão na atmosfera por mais de cem anos”, explicou Ramanathan. “Portanto, mesmo a COP 15 tendo êxito, haverá aumento de 2,5 graus no aquecimento do planeta”, ressaltou. Espera-se que nessa reunião de duas semanas na capital dinamarquesa seja adotado um tratado mundial muito mais ambicioso do que o Protocolo de Kyoto, que expirará em 2012.As ABC são densas camadas de smog que pendem a um baixo nível na atmosfera, especialmente nos Estados Unidos. São plenamente visíveis em cidades como Nova Déli, Los Angeles e outras do Brasil e da África, embora as mais densas se encontrem na China e na Ásia meridional. Esse smog é formado fundamentalmente pelo “negro de carbono”, fuligem liberada pela queima incompleta de combustíveis fósseis e outras matérias orgânicas como a madeira. Seus principais emissores são os fornos à lenha e os automóveis, especialmente os que usam óleo diesel.Ramanathan, junto com o maior especialista indiano em glaciais, Syed Izbal Hasnain, do Instituto para Recursos de Energia, em Nova Déli, e de Rajesh Kumar, chefe cientifico de glaciologia no Instituto Birla de Tecnologia, na cidade indiana de Rajashtan, concordaram que as ABC estão causando o derretimento das gelerias. Kumar afirmou que os glaciais do Himalaia retrocedem ao ritmo de 21,3 metros por ano. As emissões mundiais totais de fuligem chegam a, aproximadamente, oito milhões de toneladas. Os fogões à lenha contribuem com cerca de 25% das camadas do negro de carbono, e as queimadas ao ar livre com 42%.As ABC dão um “duplo golpe” negativo, pois deixam presos os gases-estufa em um baixo nível na atmosfera e bloqueiam a entrada da luz solar, disse Ramanathan. Segundo o Painel Intergovernamental sobre a Mudança Climática (IPCC), vinculado à Organização das Nações Unidas, o negro de carbono é o componente que mais contribui para a formação das ABC, representando 55% de sua estrutura em determinadas áreas da atmosfera. Os demais são ozônio, metano e halocarbonos.Quando Ramanathan descobriu que as ABC são formadas em grande parte pelas emissões dos fogões à lenha – descobertas publicadas pouco antes da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável realizada em Johannesburgo em 2002 – muitas nações do Sul expressaram descontentamento, especialmente a Índia. Pouco antes, o cientista havia chamado o fenômeno de “nuvem asiática marrom”, até descobrir que esta se estendia além deste continente. O Centro para a Ciência e o Meio Ambiente (CSE), com sede em Nova Déli, acusou Ramanathan de desviar a atenção da responsabilidade dos Estados Unidos e de outros países industrializados em reduzir as emissões atmosféricas bem antes da conferência na África do Sul. A diretora do CSE, Sunita Narain, afirmou que o informe de Ramanathan, além de ter caráter político, não oferecia nenhuma solução para os milhões de pessoas pobres da Ásia meridional e do sudeste que dependem de fogões à lenha para cozinhar. “Manejamos o tema do ponto de vista científico, sem as implicações humanas, por isso me equivoquei”, admitiu Ramanathan em Nova Déli na semana passada. Mesmo assim, “não entendo o motivo de a Índia colocar-se na defensiva”, disse o cientista. “Suas emissões de dióxido de carbono são inferiores a 2,5%” do total mundial”, afirmou.As ABC ameaçam as montanhas do planeta como nunca antes. Imagens obtidas via satélite da Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço (Nasa, dos EUA) mostram partículas negras de carbono sobre o Monte Everest. Além de os gases que provocam o efeito estufa ficarem presos sobre as neves, o aumento da temperatura derrete as geleiras. A organização não-governamental francesa Grupo para Energias Renováveis, Ambiente e Solidariedade (Gere) disse que o retrocesso das geleiras já é uma realidade em todo o distrito de Ladakh, no Estado indiano de Jammu e na Caxemira. A Gere analisou informação meteorológica desde 1973 e descobriu aumento superior a um grau nas temperaturas de inverno em Ladakh, um drástico aumento nas temperaturas de verão entre julho e agosto, e uma forte queda das nevadas de dezembro a março. A boa notícia sobre o negro de carbono, disse Ramanathan, é que pode ser removido em até 10 dias se forem tomadas as medidas adequadas para deter sua emissão.Ramanathan e Hasnain agora pressionam o setor de transporte da Índia. “Poderíamos começar a tornar obrigatório o uso de filtros de partículas para óleo diesel nos caminhões”, disse o po negro de carbono, disse Ramanathan, é que pode ser removido em até 10 dias se forem tomadas as medidas adequadas para deter sua emissão.Ramanathan e Hasnain agora pressionam o setor de transporte da Índia. “Poderíamos começar a tornar obrigatório o uso de filtros de partículas para óleo diesel nos caminhões”, disse o primeiro, mas, esclarecendo que também é preciso que as demais nações industriais reduzam suas emissões de gás-estufa. “Assim como o envolvimento da Ásia é chave para reduzir as futuras emissões do negro de carbono, também é fundamental a liderança da Europa e dos Estados Unidos para reduzir o aquecimento”, afirmou Ramanathan. A possibilidade de eliminar o uso de fogão à lenha nas populações pobres da Ásia está muito longe. Seria preciso fornecer um combustível alternativo, reconheceu o cientista. (IPS/Envolverde)(IPS/Envolverde)

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Papéis Organização / Conselhos



Os papéis no qual o conselho eficaz pode legitimamente se envolver:

* moldar e redefinir periodicamente a missão;

* concordar com objetivos de longo prazo e planos estratégicos;

* influenciar a alocação em geral de recursos para objetivos ou usuários diferentes (geralmente por meio de planejamento estratégico e processos de preparação de orçamentos);

* estabelecer medidas de desempenho para a organização com um todo e fazer monitoramento de acordo com essas medidas;

* assegurar a segurança financeira da organização e estabelecer sistemas de administração financeira eficientes;

* contratar, apoiar, supervisionar e monitorar o desempenho do executivo principal (às vezes delegando esta tarefa para um subgrupo);

* estabelecer políticas amplas que ditem como a organização deve operar;

* monitorar o desempenho geral da organização em relação aos seus planos.

Os papéis-chave do conselho na determinação de suas próprias atividades incluem:

* definir o tamanho ideal e a composição do conselho (se necessário propondo emendas ao estatuto);

* estruturar comissões e grupos de trabalho para antecipar necessidades futuras da organização;

* recrutar e induzir novos membros a satisfazer requisitos presentes e futuros da organização;

* assegurar que os conselheiros estejam a par das suas próprias responsabilidades e de como ela são encaminhadas;

* proporcionar treinamento e apoio às necessidades de desenvolvimento de seus membros;

* determinar sua própria agenda e prioridades;

* monitorar seu próprio desempenho e o de suas comissões.

FONTE: HUDSON, Mike. Administrando Organizações do Terceiro Setor. São Paulo: Makron Books, 1999.

Escravidão legalizada

Por Henrique Júdice

Um quinto das brasileiras trabalha quase sem direitos, mesmo quando dentro da lei. Trabalhadoras de segunda categoria para a Constituição, empregadas domésticas muitas vezes são, na prática, servas ou escravas.
Diversos assuntos de interesse direto dos trabalhadores encontram-se em análise no Congresso ou nos tribunais: jornada máxima, garantias contra a demissão injustificada, critérios de remuneração das horas extras. Mas de cada cinco trabalhadoras, pelo menos uma (proporção calculada pelo IBGE nas últimas pesquisas nacionais por amostra de domicílios — PNADs) está pré-excluída dessas necessárias discussões: qualquer que seja seu desfecho, a situação delas não mudará. Limitação de jornada, proteção contra dispensa sem justa causa e adicional de hora extra estão entre os 34 direitos trabalhistas declarados fundamentais na Constituição e entre os 25 direitos fundamentais que a mesma Constituição não reconhece às empregadas domésticas. O status jurídico constitucional delas no Brasil não chega a um terço do dos demais seres humanos (nos países regidos pelo direito islâmico, a título de comparação, os direitos patrimoniais da mulher pelo menos equivalem à metade dos de um homem).
Escravidão...
O trabalho doméstico tal como existente no Brasil é um restolho da escravidão. É interessante notar, todavia, que, quando esta vigorava oficialmente, a situação legal do trabalhador doméstico livre era menos má que na maior parte dos 121 anos subsequentes a seu fim. Em artigo publicado na revista jurídica O Trabalho em 1997, o juiz Roberto Davis mostra que as Ordenações Manuelinas (1512-1916), asseguravam-lhes pisos salariais e indenização por dispensa. Quando entrou em vigor o primeiro Código Civil (1917), expressão do liberalismo da república cafeeira, os direitos do conjunto da população trabalhadora foram reduzidos a um aviso prévio de um a oito dias. Ao longo dos anos 30 e 40, diversas conquistas foram sendo arrancadas dos patrões e do Estado: férias, descanso semanal, sindicalização, etc. As empregadas domésticas (via de regra filhas ou netas de escravas, quando não ex-escravas elas próprias) permaneceram à margem de todas essas vitórias.O direito à aposentadoria e demais benefícios da Previdência veio em 1972. Na seara propriamente trabalhista, no entanto, continuaram detentoras de um único direito: o aviso prévio do Código Civil foi substituído por férias de vinte dias úteis. Salário mínimo, descanso remunerado, 13º, irredutibilidade nominal do salário, adicional de férias, licença-maternidade e aviso prévio vieram apenas em 1988, cem anos após a abolição. Tudo o mais, porém, lhes foi negado: adicional noturno, FGTS, limitação de jornada, cobertura por acidentes de trabalho e muitas coisas mais.Isto ocorre, alegadamente, porque esses direitos acabariam por "onerar de forma demasiada o vínculo de trabalho do doméstico" indo contra seu "caráter de prestação de serviços eminentemente familiar", de sorte que o incremento das garantias daquelas que o exercem "acaba por não se coadunar com a natureza jurídica e sociológica do vínculo de trabalho doméstico". Essas asneiras embasaram o veto presidencial, em 2006, a uma lei que estendia o FGTS e o seguro-desemprego à categoria.
... e feudalismo
A idéia de que o trabalho doméstico, por não visar lucro, não deva ser onerado, é uma das maiores expressões do atraso da formação social brasileira, pois parte do pressuposto de que quem assalaria empregados para seu exclusivo conforto pessoal deva receber tratamento favorecido face a quem o faz para exercer atividade produtiva e gerar riqueza. Esse conceito articula-se com a inserção das domésticas nas famílias burguesas na condição servil de agregadas, pela qual perdem até mesmo sua liberdade de ir e vir (já que não raro ficam presas às casas dos patrões, tendo que servir dia e noite) a troco de supostos favores que só aprofundam essa servidão.Mas o que há de mais revelador a respeito da "natureza jurídica e sociológica do vínculo de trabalho doméstico" é o fato de a Constituição negar às que o exercem até mesmo direitos sem reflexo pecuniário para o empregador. Não são aplicáveis às empregadas domésticas, por exemplo, os dispositivos constitucionais que proíbem o trabalho infantil e a discriminação por gênero, cor, estado civil ou idade; e nem tampouco os que determinam a redução do risco de acidentes mediante normas de saúde, higiene e segurança do trabalho e a criminalização da retenção salarial.O sentido disso não é diretamente econômico. Visa, antes, reforçar a inferioridade social a que estão relegadas. a ordem constitucional brasileira, o empregador doméstico — e apenas ele — tem direito a escolher seus empregados e definir-lhes os salários em função da cor da pele, expô-los sem nenhuma responsabilidade ao risco de acidentes e submetê-los a qualquer jornada.
Piores trabalhos
Até bem pouco tempo atrás, podia também explorar mão-de-obra infanto-juvenil e pagar "salários" em comida, roupas (usadas, naturalmente) e outras quinquilharias. Até 1990, não havia nenhum limite de idade: foi preciso uma lei não-trabalhista (o Estatuto da Criança e do Adolescente) para que se proibisse o trabalho antes dos 14 anos em caráter geral, sem excetuar o emprego doméstico. Os descontos foram proibidos em 2006; o trabalho em idade inferior a 18 anos, apenas em 2008, e por força não de uma lei feita no Brasil, mas da lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (TIP), da Organização Internacional do Trabalho (OIT).A lista TIP, que contém formas de trabalho que os países signatários comprometem-se a proibir para menores, classifica os serviços domésticos como prejudiciais à saúde, à segurança e à moralidade. Vale a pena transcrever os riscos que ela associa a esses serviços: "esforços físicos intensos; isolamento; abuso físico, psicológico e sexual; longas jornadas de trabalho; trabalho noturno; calor; exposição ao fogo, posições antiergonômicas e movimentos repetitivos; tracionamento da coluna vertebral; sobrecarga muscular; exposição a riscos biológicos". Entre as prováveis repercussões à saúde, encontram-se bursites, tendinites, dorsalgias, queimaduras, ansiedade, alterações na vida familiar, transtornos do ciclo vigília-sono, DORT/LER, deformidades da coluna vertebral, síndrome do esgotamento profissional, neurose, traumatismos, tonturas e fobias.
Sem lei
O tratamento legal do trabalho doméstico é revelador do caráter da formação social brasileira. No que se refere à realidade do próprio trabalho doméstico, no entanto, corresponde apenas a uma pequena parte do problema. Isto porque, de acordo com uma pesquisa ("Raio X do emprego doméstico") realizada pelo IBGE em 2006, pelo menos 3 em cada 4 trabalhadoras domésticas (4,8 milhões num total de 6,5 milhões) não têm sequer carteira assinada. A proporção, no entanto, deve ser maior: arguindo a garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio, os empregadores domésticos se põem a salvo não apenas de qualquer pesquisa confiável como também da incipiente fiscalização do ministério do Trabalho.
Fonte:Jornal A Nova Democracia Ano VIII, nº 55, agosto de 2009 .

Racismo e Capitalismo

A existência prática da “luta de classes” inundou todo o continente e, em especial no Brasil, alimentou-se de um regime escravocrata que durou mais de 350 anos
07/11/2009
Douglas Belchior
A sociedade brasileira vive, por mais de cinco séculos, uma experiência muito peculiar de formação. A existência prática da “luta de classes” inundou todo o continente e, em especial no Brasil, alimentou-se de um regime escravocrata que durou mais de 350 anos. A formalização do fim do regime de escravidão em 1888 tornou o Brasil o último país do mundo a substituir o trabalho escravo pela mão-de-obra livre. Essa mudança tardia, quando a própria escravidão moderna já era um anacronismo absurdo, marcou profundamente a estrutura da sociedade brasileira, deixando em sua formação social marcas, vícios e restos que nos atingem ainda hoje. Sua permanente influência negativa (nos níveis econômico e ideológico) moldou o comportamento da sociedade brasileira, especialmente a camada historicamente ocupante do aparelho de dominação política. O Brasil tornou-se independente sem abolir o trabalho escravo e aboliu a escravidão ao mesmo tempo em que manteve o latifúndio. Este misto de avanço e atraso, de modernização e retrocesso comprometeu de maneira irreversível o desenvolvimento do país. Desde as vésperas da inevitável abolição até cerca de três décadas seguintes, as elites deste país (que se tornariam elites republicanas) investiram macicamente em uma política de “embranquecimento” da população brasileira, por meio do estímulo e financiamento das imigrações européias. O ideário colonial justificador da escravidão encontra, então – na nova sociedade de classes tupiniquim, fundamentos a partir de teorias científicas racistas de origem européia que, por sua vez, tornaram-se hegemônicas nas academias, universidades e no meio do poder político entre finais do século XIX até a década de 1930. Esse processo condenou a população africana e seus descendentes à barbárie. O racismo presente nas relações sociais fortaleceu estereótipos, preconceitos e um estado de discriminação permanente e praticamente irreversível nestes 121 anos de pós-abolição. O capitalismo brasileiro com suas políticas universalizantes foi incapaz de diminuir o abismo social que separa brancos e não-brancos. Ao contrário, o ideário da democracia racial, das relações paternais e conciliatórias e da égide da miscigenação - apadrinhado por Gilberto Freire, contribuiu para a escamoteação do debate racial. E não por acaso - uma vez que, ao adotar a democracia racial como elemento fundamental das relações sociais num país de herança escravocrata tão peculiar, anula-se a leitura de conflito de classe presentes na gênese da formação da sociedade brasileira: senhor branco versus escrava/o negra/o. Com o fim da escravidão, o advento da república, da industrialização e do trabalho livre o conflito de classes é travestido em modernas dicotomias: “burguês versus proletariado”; “patrão versus operário”; “latifundiário versus camponês”. E hoje, mais do que nunca, é preciso perceber que reconhecer outras dicotomias e conflitos existentes em nossa sociedade potencializa a luta classista: “brancos versus negras/os”; “homens versus mulheres”; “heterossexuais versus homossexuais”; “sulistas versus nordestinos”. UNEafro-Brasil – uma alternativa de luta negra, combativa e socialista. A UNEafro-Brasil se apresenta como uma organização do movimento negro, com consciência de classe e que agrega militantes da causa anti–racista, das mulheres, da diversidade sexual e do combate a todos os tipos de opressões. O trabalho político parte da reflexão de que a luta contra o racismo e todas as formas de discriminação deve se unir a luta contra a concentração de renda e de poder. Para combater o capitalismo, escolhemos lutar contra o racismo. Nesse sentido nossa atuação se dá através da ação comunitária e da organização de núcleos de base em forma cursinhos dirigidos à vestibulares públicos, concursos, enem, artes, cultura e esportes, além da defesa tática das ações afirmativas para negras/os e trabalhadoras/es. A força necessária para a derrota ao sistema hegemônico será alcançada na medida em que as diferentes frentes de mobilização social estiverem unidas. Daí a importância em valorizar as bandeiras específicas de luta. Caio Prado Jr., em sua obra “A revolução brasileira” traça uma análise dessa necessidade: “[...] a diversidade da realidade brasileira, assim como os aspectos culturais, de modo geral, não são considerados pela esquerda brasileira. Esse desconhecimento cria obstáculos para a unificação das forças, na medida em que o discurso da vanguarda revolucionária não sensibiliza outros grupos subalternos, e que, com isso, não criam uma base social hegemônica[...]” (PRADO, 1972, p. 20). Quanto a luta do povo negro, A UNEafro recupera alguns lutadores e teóricos entre eles Clóvis Moura, na afirmação de que a revolução virá a partir do comando da classe majoritária, pobre e duplamente oprimida, social e racialmente. E quando por fim, os setores mais explorados, encabeçados pelas/os negras/os levantarem a bandeira do socialismo, o triunfo estará próximo. Essa é a esperança: ao reviver na prática cotidiana o exemplo revolucionário da República Comunista de Palmares, construir um país independente, justo e humanizado, onde não mais haja espaço para o racismo. Douglas Belchior é professor de história e integrante do conselho geral da União de Núcleos de Educação Popular para Negros e Classe Trabalhadora (Uneafro).
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/analise/a-luta-contra-o-racismo-como-forma-de-combate-ao-capitalismo