terça-feira, 24 de agosto de 2010

Tributação e Desenvolvimento

Ivo Gico Jr.
Professor de Análise Econômica do Direito na Universidade Católica de Brasília (UCB(, fundador do Grupo de Pesquisa em Direito & Economia (GPDE) e Sócio do escritório Dino, Siqueira & Gico Advogados.


Todo direito tem custo. A polícia, para defender o direito de propriedade, o médico do SUS para cuidar da sua saúde, o professor para ensinar a seus filhos, um Judiciário independente e bem equipado, um Banco Central capaz de proteger a moeda, tudo isso tem custo. Mesmo sua liberdade de expressão depende fundamentalmente de ampla e complexa estrutura estatal que permita e viabilize a expressão de ideias sem que grupos contrários possam silenciá-las pela força e intimidação, inclusive de grupos pertencentes ao próprio Estado.

Logo, todo e qualquer direito depende de arrecadação que faça frente às despesas estatais incorridas no seu provimento. Nesse sentido, a tributação, entendida como forma de financiamento coletivo de atividades socialmente relevantes, é essencial para a existência da sociedade civilizada tal como a compreendemos hoje.

No entanto, expropriar pela força os cidadãos de parte de seus bens, isto é, tributar, significa em larga medida distorcer a estrutura de incentivos dos agentes envolvidos na atividade tributada e destruir riqueza. Por exemplo: suponha que João, um professor de mandarin, dê aulas particulares por R$ 30 a hora/aula. Se Sofia não fosse sua aluna, a segunda melhor opção de João seria lecionar por R$ 25 a hora/aula em uma escola de línguas, que cobra R$ 40 por hora de cada aluno. Ele ganha, portanto, R$ 5 a mais por hora dando aulas particulares. Sofia, por sua vez, estaria disposta a pagar até R$ 35 por hora/aula, logo, economiza R$ 5 por hora tendo aulas com João. Juntos, João e Sofia estão em melhor situação após a troca e ganham R$ 10 a mais por hora com esse arranjo voluntário.

Suponha agora que o governo crie um tributo de R$ 15 sobre hora de aula particular. Nesse caso, após pagar o imposto, Sofia estaria disposta a pagar no máximo R$ 20 por hora, o que não cobriria os custos de João. Por outro lado, João estaria disposto a dar aula por, no mínimo, R$ 25 (o mesmo que ganharia na escola) que, com o imposto, custaria R$ 40, mais do que Sofia estaria disposta a pagar. Resultado da tributação: João dará aula na escola, sua segunda opção, e Sofia não aprenderá mandarin, sendo que ambos perderão R$ 10 por hora/aula nesse cenário, ou seja, o arranjo original gerador de riqueza deixará de existir e a sociedade como um todo ficará mais pobre.

Esse exemplo apenas ilustra como a tributação de qualquer atividade envolve, em maior ou menor grau, a destruição de riqueza social (peso-morto) e a distorção em maior ou menor grau da estrutura de incentivos dos agentes envolvidos, que adaptarão seu comportamento à nova realidade. Ora, se todo direito depende essencialmente da tributação para existir, mas tributar significa destruir riqueza e distorcer incentivos, como resolver esse impasse? Bem, em uma primeira aproximação podemos dizer que um tributo deve ser instituído tão somente quando a atividade financiada pela tributação gerar mais valor para a sociedade do que a riqueza destruída, i.e., quando o tributo gerar valor líquido para a sociedade.

Obviamente, a simplicidade da resposta esconde a enorme complexidade de sua aferição e implementação. Essa não é uma questão meramente acadêmica. Em realidade, esse dilema tem sido objeto de debate e conflitos desde que os povos se organizaram em comunidades relativamente estruturadas e continua na agenda de todos os governos do mundo moderno. O problema é de especial importância para os países em desenvolvimento, nos quais há ainda muito espaço para a expansão da infraestrutura social e legal, como é o caso do Brasil.

Uma abordagem juspositivista não é capaz de oferecer resposta adequada a essa pergunta. A hermenêutica tão pouco é capaz de oferecer respostas adequadas. É necessário ampliarmos nossos horizontes e buscarmos retorno além do conhecimento jurídico tradicional. É necessário compreendermos a realidade e, para isso, as ciências sociais são candidatas naturais a essa função.

Entre as ciências sociais, a historicamente mais próxima da questão aqui discutida é a economia que, em larga medida, dialoga com as demais ciências sociais, como a política, psicologia e sociologia. A Análise Econômica do Direito ou simplesmente a Juseconomia pode nos auxiliar nessa tarefa tão importante quanto difícil de mensurar e estimar o provável impacto de uma medida tributária, bem como os potenciais ganhos sociais com a receita auferida. Sem essa informação, quaisquer discussões tributárias reduzem-se a exercícios de adivinhação ou meros exercícios retóricos. Potencialmente tão lesivos quanto operar um doente no escuro.

Note-se que o argumento formalista de que qualquer cobrança de tributos decorre do interesse público e, portanto, seria desejável, é materialmente falso. A simples existência de um tributo não é suficiente para gerar a presunção de que ele é, em si, socialmente desejável. É preciso uma análise séria e informada dos custos e benefícios associados a cada um deles, o que não é feito regularmente.

De qualquer forma, a simples consideração da tensão entre tributação e desenvolvimento nos abre um leque considerável de questões e problemas para serem estudados e debelados. A Juesconomia é, certamente, importante instrumental nessa empreitada e, paulatinamente, os cursos de graduação e pós-graduação em direito estão se apercebendo dessa necessidade, tanto na área tributária quanto em outras searas. A questão é de grande importância, os instrumentos, ainda que imperfeitos, estão à disposição; basta que estejamos preparados para empregá-los.

Fonte: http://www2.correiobraziliense.com.br/cbonline/direitojustica/sup_dej_31.htm?

Um comentário:

  1. Acredito que é importante considerar que o desenvolvimento governamental não acontece em detrimento do desenvolvimento dos contribuintes.

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