quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Impostos não devem ser razão para desestimular a Filantropia

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07/08/2012 – O sistema de impostos de um país deve ser pensado de forma a favorecer e estimular as doações para a filantropia, explica Robert J. Shiller, professor de Economia e Finanças da Universidade de Yale, em artigo publicado no New York Times. Para o autor, as deduções fiscais reduzem a necessidade de gastos do governo e atraem a criatividade empresarial para as causas sociais. Portanto, são um bom negócio para o Estado como um todo. Leia os principais trechos do artigo.
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Em 1944, a taxa de imposto de renda para pessoas físicas atingiu 94% nos Estados Unidos, para rendas declaradas superiores a $200,000, quantia que representa US$ 2,6 milhões em dólares de hoje. É de se esperar que, com níveis tão elevados, o país fosse rapidamente conduzido a um desastre econômico ou a uma luta de classes – ou ambos. Mas isso não aconteceu. As pessoas prosperaram na época e, pelo menos em alguns aspectos, a sociedade americana era harmoniosa. A Segunda Guerra Mundial estava no auge e, talvez por isso, as pessoas pareciam estar doando mais e o governo também incentivava atos altruístas. Há importantes lições a serem aprendidas a partir desse momento.
É natural que as pessoas se comportem de forma gentil e generosa para com aqueles que são gentis e generosos com elas. Infelizmente, o contrário também é muitas vezes verdade: as pessoas tendem a ser vingativas a respeito de quem lhes prejudica. Os psicólogos sociais e teóricos do jogo chamam isso de “reciprocidade”. Hoje, a taxa de impostos é de apenas 35% (embora possa subir um pouco se os cortes fiscais da era Bush expirarem no final do ano). Mas e se algum dia for preciso responder a outra grande emergência nacional, ou mesmo a uma crise de agravamento gradual da desigualdade de renda? É possível ter de voltar a aumentar as taxas substancialmente.
Assim como em 1944 os americanos estavam preocupados, hoje também há um temor de que a tributação excessiva acabe por matar os incentivos para as empresas.
Na época da Segunda Guerra Mundial o governo pensou em maneiras criativas para manter os incentivos fiscais para as pessoas de alta renda, permitindo-os praticar a filantropia antes do cálculo de imposto devido. Notavelmente, a dedução máxima das contribuições de caridade foi criada a partir de 15% da renda em 1944, para 20% em 1953, para 3% em 1954, e então, com algumas qualificações, a 100% em 1956 (o máximo hoje é de 50%). Por isso, as pessoas descobriram que era realmente melhor, do ponto de vista puramente egoísta, doar ativos à caridade e ter a dedução reduzida.
A filantropia pareceu, então, uma maneira meramente estratégica de evitar impostos. Essa má reputação ainda permanece um pouco nos dias atuais, embora as taxas fiscais não permitam mais obter lucro por doar bens. Os governos devem encorajar a filantropia, mas não ir tão longe: uma doação deve ter intenções reais.
As deduções para fins de investimento social devem ser fundamentais no capitalismo financeiro? Robert J. Shiller defende que sim em seu livro Finance and the Good Society (Princeton, 2012). Precisamos acompanhar quaisquer aumentos de impostos com afirmação e ampliação do apoio do sistema fiscal de incentivo à filantropia. Depois de um grande aumento de impostos sobre os rendimentos altos, as pessoas devem ter um incentivo especialmente forte para doar dinheiro a boas causas: escolas, colégios, hospitais, igrejas, artes e outros fins. Muitas doações reduzem a necessidade de gastos do governo, de modo que a dedução acaba não saindo assim tão cara para o sistema. Outro ponto positivo é atrair também a criatividade empresarial para tais causas.
Claro, há contra-argumentos: poucas pessoas são motivadas a trabalhar para ganhar um valor que terá boa parte encaminhada para doações, e é natural que as pessoas pensem em favorecer suas famílias com melhores ganhos. Mas há uma resposta para essa linha de pensamento: depois que a pessoa atinge um determinado nível de conforto e riqueza, o dinheiro não tem outra função senão a manutenção do status social, o que certamente reforça a tendência à filantropia. Essa é uma boa razão para políticas nacionais estimularem a prática. Embora seja natural que as pessoas queiram seu ranking social elevado, existem formas para grandes empreendedores alcançarem o mesmo valor relativo sem tanto consumo desenfreado, como Thorstein Veblen enfatizou em seu livro de 1899, The Theory of the Leisure Class.
Nós já temos um sistema para encorajar a filantropia. Ele inclui a dedução de investimentos sociais e maneiras para pessoas de alta renda estruturarem suas próprias fundações filantrópicas, recebendo dedução de imposto a cada ano que doam. Há também os donor-advised funds, que são adequados para pessoas com rendimentos mais modestos.
As controvérsias centralizam-se na ideia oposta, de que se limitado ou mesmo extinto o incentivo fiscal para fins de filantropia junto a pessoas de alta renda, seria possível fechar o déficit federal. Em meio à crescente preocupação sobre a desigualdade, devemos nos concentrar em como podemos melhorar nosso código tributário e outras regras para estimular sentimentos positivos de reciprocidade em nossa sociedade. E podemos fazê-lo oferecendo às pessoas incentivos para inovar – e continuar trabalhando duro.
Leia o texto original na íntegra no The New York Times.

Mali. Photo: © Curt Carnemark / World Bank

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