quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Uso de receitas artificiais distorce as contas públicas

Os resultados fiscais de 2010 que acabam de ser divulgados mostram que não é totalmente destituída de razão a preocupação do Fundo Monetário Internacional (FMI) com o desempenho das contas públicas brasileiras. Mesmo com os artificialismos contábeis aos quais o governo recorreu, não foi possível cumprir a meta de superávit primário (diferença entre receitas e despesas, excluindo pagamento de juros) de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB).

O governo central (Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) registrou superávit acumulado no ano de R$ 78,96 bilhões, equivalente a 2,16% do Produto Interno Bruto. Mas Estados e municípios fecharam o ano com 0,56% do PIB e ficaram aquém do 0,95% necessário. Com o fraco resultado das estatais, o superávit primário apenas atingiu 2,78% do PIB, ou R$ 101,7 bilhões, insuficientes para pagar a conta de juros de R$ 195,4 bilhões, de modo que o superávit nominal ficou em 2,56% do PIB.

Para chegar à meta, portanto, o governo deverá abater parte dos investimentos feitos pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que totalizaram R$ 22 bilhões.

Destaque absoluto em criatividade contábil foi a receita embolsada pelo governo com a antecipação da cessão onerosa devida pela Petrobras em função da exploração do petróleo do pré-sal, no valor astronômico de R$ 74,8 bilhões. Esses recursos seriam utilizados para manter a participação do governo no capital da estatal, após uma das maiores vendas de ações do planeta. Mas o governo acabou usando outras alternativas para isso, como as compras do Fundo Soberano do Brasil e do BNDES, e destinou ao aumento de capital R$ 42,9 bilhões.

A diferença de R$ 31,9 bilhões acabou embolsada como receita. Descontado o valor, o superávit do governo central cai para 1,06% do PIB. Ou seja, só a operação da Petrobras teve um impacto líquido positivo de 1,1% do PIB.

Receitas extraordinárias como essa não se repetirão neste e no próximo ano. Daí a preocupação do Fundo Monetário Internacional (FMI), expressa no relatório de atualização do Fiscal Monitor, publicada na semana passada. O Fundo avaliou que houve uma deterioração das contas públicas brasileiras "particularmente brusca", e prevê que o país não atingirá a meta deste ano de um superávit primário de 3% do PIB "por ampla margem".

Na atualização do Monitor Fiscal, o déficit nominal esperado para o Brasil neste ano aumentou de 1,2% do PIB projetado há cerca de dois meses para 3,1% do PIB. Para 2012, o aumento foi de 1,7% para 3,2%. A dívida bruta também aumentará, nas projeções do FMI, para 67,5% neste ano, recuando a 66,9% em 2012.

Para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, foi mais fácil atribuir as críticas à tradicional ortodoxia do FMI do que explicá-las. Indiretamente, porém, acabou dando razão ao Fundo ao dizer que, neste ano, as coisas serão diferentes, com o contingenciamento de despesas do Orçamento e aperfeiçoamento do controle de gastos. Difícil mesmo será manter os investimentos do PAC, que a presidente Dilma não quer cortar de jeito nenhum.

É verdade que nenhum país escapa das críticas e preocupações da avaliação do Fiscal Monitor. Nem é preciso justificar a apreensão com as economias avançadas, comprometidas com políticas de afrouxamento monetário expansionistas.

As críticas feitas às economias emergentes como a brasileira têm um tom diferente. As receitas desses países melhoraram muito no último ano, em parte por causa da elevação forte dos preços das commodities e, em parte, pelo aumento dos preços dos ativos, causado pela entrada de capital externo. Segundo o FMI, o excedente de receitas foi principalmente usado para aumentar os gastos. Mas, alerta o Fundo, esse aumento de receita é temporário e muitos dos gastos feitos não. Por isso, em algum momento será necessário apertar o cinto.

O diretor do Departamento de Assuntos Fiscais do FMI, Carlo Cottarelli, não vê risco para o Brasil a curto prazo, mas conta com algum problema a médio prazo. "Dada a evolução dos preços das commodities, das taxas de juros e da atividade econômica, a posição de países como o Brasil deveria ser mais forte do que é atualmente", disse Cottarelli.

As observações de Cottarelli parecem mais sensatas do que "bobagens de um velho ortodoxo", como disse Mantega.



Fonte: Valor Econômico

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