terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Terceiro Setor e possibilidades de carreira internacional

Por Renato Guimarães
Há pouco participei de um bate-papo com executivos em “transição de carreira” sobre possibilidades de carreira no terceiro setor. A ideia era compartilhar um pouco da minha experiência de quase 20 anos trabalhando na área. Foi uma conversa interessante e instigante que serviu para mostrar que ainda existe muito desconhecimento sobre as possibilidades de crescimento profissional no setor não lucrativo.

Apenas para esclarecer a nomenclatura, “terceiro setor” é um conceito que surgiu no começo dos anos 90 do século passado, nos Estados Unidos, para designar o amálgama de organizações privadas que prestam serviços de interesse público (ONGs, fundações, institutos etc.), em contraposição ao “primeiro setor” (Estado) e ao “segundo setor” (Mercado).

Minha impressão, em geral, é que muitos profissionais com experiência de mercado migram para o terceiro setor idealizando que finalmente poderão fazer o bem de forma direta por meio de seus conhecimentos profissionais. Levam também o medo (muito real) de se deparar com baixos salários e outras formas de precariedade trabalhista.

O idealismo muitas vezes se esvai rapidamente, quando o profissional se dá conta de que uma ONG ou entidade filantrópica tem todos os problemas que qualquer organização criada e composta por seres humanos. Apesar dos objetivos nobres, não deixam de existir disputas de egos, incompetência ou problemas com o uso de recursos. Tudo isso exponenciado pelo desafio constante de equilibrar o fluxo de caixa, geralmente por meio de doações, o que causa constante estresse sobre a equipe, insegura quanto à existência de recursos para pagar salários e outros benefícios.

A emergência da sociedade civil organizada por meio de ONGs, fundações e outras entidades sem fins de lucro é um dos eventos mais notáveis e revolucionários que aconteceram na segunda metade do século passado.

Não sem razão, campeia no terceiro setor brasileiro “soluções criativas” como a contratação “PJs”, ou “pessoas jurídicas”, profissionais que abrem suas empresas para prestar serviço. Apesar de ser uma opção legítima, muitas vezes esta solução acaba servindo para ajudar as organizações a escapar da carga trabalhista embutida na contratação via CLT. Isto apenas faz aumentar a precariedade das relações de trabalho no setor e afeta até mesmo ONGs que defendem o fortalecimento dos direitos individuais em diversos campos.

Com isso, não quero pintar um quadro negativo do setor no qual trabalhei e militei por tantos anos. Evidentemente a emergência da sociedade civil organizada por meio de ONGs, fundações e outras entidades sem fins de lucro é um dos eventos mais notáveis e revolucionários que aconteceram na segunda metade do século passado.

Mas algo que posso afirmar com toda a certeza é de que não devemos idealizar nem vilipendiar, por princípio, nenhum dos três setores (Estado, Mercado e Sociedade Civil). Se há uma coisa que a sustentabilidade traz na sua essência é a constatação de que as soluções duradouras para os complexos desafios da humanidade implicam necessariamente uma ação equilibrada destes três pilares.

Esta foi mais ou menos a introdução da minha conversa. Mas para não desanimar os executivos presentes, deixei claro que acredito que o Terceiro Setor é cada vez mais uma opção atraente para profisisonais sérios e dedicados. O setor, como um todo, vem evoluindo bastante nas suas práticas e precisa muito de profissionais qualificados e bem intencionados.

Não há dúvida de que existe, sim, espaço para soluções criativas que tragam a experiência do mercado para ajudar a aumentar o impacto da ação destas organizações.

Carreira internacional
Chamei a atenção especialmente para o fato de que existe, também, todo um mercado para profissionais qualificados interessados em fazer carreira no exterior. É um dado que muitas vezes não entra no radar dos executivos, tanto aqueles em início de carreira, como os que estão em “frase de transição”.

Podemos dividir este mercado, grosseiramente, em três grandes áreas: as chamadas INGOs (international NGOs – ONGs internacionais), o sistema ONU e agências congêneres (BID, agências governamentais de promoção do desenvolvimento) e as Fundações privadas internacionais.

Mercado internacional para profissionais interessados em carreiras no Terceiro Setor
Eu me concentrei nas INGOs, que formam uma comunidade de organizações não governamentais cujas principais características, além da atuação internacional, são a enorme capacidade de arrecadação e mobilização de recursos financeiros e técnicos em diversos países. Isto sem contar uma grande influência na mídia e o desenvolvimento de campanhas públicas e de ações de influência sobre tomadores de decisão tanto nos governos de seus países de origem como naqueles onde atuam (também conhecido pelo termo inglês “advocacy”)

Entre as INGOs mais conhecidas pelo público brasileiro estão a Oxfam, Greenpeace, Care, Visão Mundial, Médicos Sem Fronteiras, PLAN, Anistia Internacional, WWF, entre outras. Em comum o fato de manejarem orçamentos anuais impensáveis para qualquer ONG brasileira, ter funcionários e voluntários atuando em diversos países do mundo ao mesmo tempo e, em geral, aplicarem sistemas de gestão muito parecidos com os do mundo empresarial.

Por exemplo, a Oxfam GB, onde trabalhei por sete anos gerenciando a área de comunicação para a América do Sul, teve em 2010 um orçamento líquido para investimento nas suas ações de luta contra a pobreza e trabalho humanitário na ordem de R$ 650 milhões. Além de usados em projetos próprios, estes recursos foram destinados a apoiar o trabalho de mais de mil organizações locais em 65 países.

Tudo isto tocado por cerca de 4.600 funcionários, 2.600 deles atuando nos diversos escritórios e operações da Oxfam ao redor do mundo. A entidade tem critérios de seleção muito semelhantes aos aplicados pelo mercado e valoriza profissionais bem capacitados, com domínio de idiomas, facilidade de trabalho em ambientes multiculturais e disponibilidade para trabalhar em outros países.

Profissionais dos campos da gestão de projetos e programas sociais, das áreas administrativa e financeira, recursos humanos, logística, comunicação e marketing, engenharia sanitária, por exemplo, são muito buscados.

Em termos salariais e outros benefícios, a Oxfam, como outras organizações do mesmo porte, procura se aproximar do que paga o mercado e em alguns países até mesmo o supera. Com toda certeza, as INGOs pagam melhor e tem mais benefícios do que grande parte das ONGs locais. Este tipo de relação profissional no processo de contratação pode ser encontrado no Greenpeace, outra INGO onde trabalhei por quase três anos.

A cobrança por resultados neste tipo de organização é também proporcionalmente maior. Em geral as INGOs contam com sistemas de estabelecimento de objetivos de trabalho e de avaliação equivalentes ao das empresas privadas, com os mesmos vícios e efeitos positivos.

Em todo caso, é um mercado de trabalho que deveria estar no radar dos profissionais interessados em dar um rumo diferente para uma carreira internacional. Vale a pena dar uma olhada constante nos áreas de “Jobs” ou “Employment” dos websites destas organizações (o da Oxfam GB pode ser visitado aqui).

O sistema ONU (que inclui as agências como Unicef, Unesco, FAO etc.), as agências governamentais de desenvolvimento, como a alemã GIZ (ex-GTZ), e as Fundações privadas internacionais (como a Ford, Rockefeller, MacArthur etc.) são outras áreas de trabalho muito interessantes para os profissionais e executivos que buscam uma carreira internacional diferenciada.

O problema é que são poucas as vagas disponíveis, no caso das fundações, ou o acesso a elas algumas vezes passa por um jogo político pesado, como no caso da ONU. Em todo caso, acho que vale a pena dar uma olhada de vez em quando no portal de carreiras nas Nacoes Unidas (aqui).

O domínio do inglês é básico para os profissionais interessados em seguir carreira internacional em INGOs ou ONU. O “plus a mais” vem com o domínio de uma terceira língua, como o espanhol ou o francês. Formação e pós-graduação (MBA e/ou mestrado/doutorado) na sua área de atuação em universidade de primeira linha é indispensável para fazer a diferença na reta final de qualquer processo de seleção. Muitas vezes isto é até superado pelo candidato que demonstra muita experiência prática no seu campo de trabalho.

Existe espaço para que mais profissionais brasileiros busquem este tipo de formação profissional e desenvolvimento de carreira internacional.

Há alguns programas de estudo que são referências para quem deseja seguir carreira internacional na ONU ou INGOs. Eu sugiro o Global Master of Arts Program da Fletcher School of International Affairs, ligado à prestigiosa Tufts University, fundada em 1852. O interessante deste programa é o fato de ser desenvolvido online e englobar três períodos de duas semanas de residência. Mais informações em aqui.

Outra opção interessante é a oferecida pelo Center on Philanthropy and Civil Society, ligado à City University of New York. Eles têm um programa internacional de “Senior Fellows”, que leva profissionais altamente qualificados de países emergentes para a sede do Centro para passar um período de imersão e estudos sobre o tema de filantropia e fundações comunitárias. Eu participei do programa em 1995 e posso garantir que e uma oportunidade única de aprofundar conhecimentos e construir relações que duram para toda a vida. Mais informações aqui.

Existe espaço para que mais profissionais brasileiros busquem este tipo de formação profissional e desenvolvimento de carreira internacional. Sem dúvida, a experiência que podem depois trazer para o Brasil é inestimável e está sendo cada vez mais reconhecida até mesmo pelo mercado.
Fonte:

http://gestaoorigami.com.br/renatoguimaraes/sustentabilidade/terceiro-setor-e-possibilidades-de-carreira-internacional/

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