quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Terceiro Setor: Uma revolução silenciosa / Luis Carlos Merege

Terceiro Setor: uma revolução silenciosa
Luiz Carlos Merege
Publicado na Revista ISTOÉ: 1997
Um fenômeno está mudando a cara do capitalismo. Trata-se da formalização de um setor que, até recentemente, permaneceu sem identidade. Além de ganhar visibilidade, este setor, quando mensurado em termos econômicos, tem causado surpresas nos estudiosos. A sua participação no PIB e o seu peso no mercado de trabalho são bastante significativos. O que mais chama a atenção é que, enquanto no Estado e no setor privado o emprego vem minguando em todos os países, o crescimento do emprego nesse “setor” é um fato que gera esperança em nossa era de exclusão social.
O que é o Terceiro Setor? O Terceiro Setor é uma nova categoria conceitual para estudar um fenômeno tão antigo quanto a humanidade. O seu universo engloba ONGs (Organizações Não Governamentais), institutos, fundações, entidades de classe, associações profissionais, movimentos sociais, entidades de defesa dos direitos, organizações ambientalistas, entidades assistenciais, associações de bairro, instituições religiosas de assistência, enfim, uma gama de organizações atuando nas mais diversas áreas sociais e de defesa dos direitos dos cidadãos. Genericamente, trata-se de uma esfera de nosso sistema econômico-social que engloba as organizações não lucrativas, que são instituídas por agentes privados, ou seja, cidadãos, que visam o interesse público. Diferem do Estado, em que os agentes são públicos e a finalidade também é pública, e do setor privado, em que os agentes são privados e os objetivos das atividades são para fins privados. Do ponto de vista da tradicional classificação econômica das Contas Nacionais,
as organizações do Terceiro Setor estão agrupadas no setor Serviços e, até agora, não foram agregadas em conta especial, o que possibilitaria a mensuração do setor. Esta distorção, que vinha recebendo crítica dos estudiosos, está sendo corrigida por técnicos das Nações Unidas, que já estão preparando uma nova classificação das Contas Nacionais, que dará destaque às organizações não lucrativas. Os dados agregados do Terceiro Setor estão disponíveis para sete países (Estados Unidos, Japão, Reino Unido, Alemanha, França, Itália
e Hungria), graças à pesquisa realizada sob a liderança da Johns Hopkins University. Esta pesquisa inédita revelou que o Terceiro Setor movimenta algo em torno de 340 bilhões de dólares, anualmente, nos Estados Unidos, 94 bilhões de dólares no Japão e cerca de 40 bilhões de dólares na Alemanha, Reino Unido e França. Na Itália, a cifra ficou em torno de 21 bilhões de dólares e, na Hungria, 4,0 bilhões de dólares. O emprego remunerado gerado pelo setor, nessas economias, engloba cerca de 12 milhões de pessoas, sendo que deste total, 7 milhões são gerados nos Estados Unidos. O que existe de revolucionário é que, agora, podemos pensar a sociedade constituída por três esferas distintas: o Estado, o setor privado e o Terceiro Setor. Estas três esferas se constituem em um tripé sobre o qual está se construindo a sociedade do futuro, que tem como ponto central o ser humano.
O principal objetivo dos esforços para fortalecer e dar uma identidade ao Terceiro Setor, é que ele possa exercer um papel ativo no desenho da sociedade do futuro. Dessa forma, as organizações da sociedade civil poderão atuar com maior eficiência, para contrabalançar o poder dos outros dois setores – o Estado e o setor privado. O fortalecimento das organizações da sociedade civil significa, na realidade, o fortalecimento das raízes da sociedade democrática. A explosão de atividades no Terceiro Setor significa, em última instância, que os cidadãos estão se conscientizando de que não é necessário esperar pelo Estado para resolver os problemas sociais. Criando organizações sociais e trabalhando em seus objetivos públicos, os cidadãos podem, finalmente, ser senhores de sua própria história. As mudanças que queremos dependem de nossa ação e, a cada dia, mais cidadãos
descobrem que podem trabalhar diretamente por uma sociedade melhor.
Para que este potencial de transformação se torne realidade, é necessário e urgente que se implemente políticas públicas que facilitem a sinergia entre os três setores. Existem situações objetivas em nossa sociedade que já estão possibilitando a parceria entre os três setores, em busca de um novo jogo ganha-ganha para todos. A deterioração social em nossa sociedade chegou a tal nível que divergências ideológicas e políticas estão sendo colocadas de lado para se buscar a convergência de ações que resultem em uma sociedade mais justa e onde o cidadão se sinta menos vulnerável. Tal é o caso do Projeto Travessia, onde polos,
que eram, até recentemente, antagônicos – como é o caso dos bancos e do sindicato dos bancários –, se unem para a solução do problema dos meninos de rua, cujo futuro apontava para a criminalidade e que, em última instância, acaba atingindo a todos. O crescimento da violência em São Paulo gerou uma iniciativa da sociedade civil, o Instituto São Paulo Contra a Violência, que coloca lado a lado o Estado, o setor privado e a sociedade civil em busca de uma solução para esse grave problema. E quem imaginaria, alguns anos atrás, que o homenageado de um dos maiores bancos do país, o Itaú, na entrega do prêmio Itaú-Unicef de Educação deste ano, seria nada menos que o educador Paulo Freire? São sinais
significativos de mudanças que o trem da história nos oferece.
Para construir uma sociedade para todos é necessário que este novo jogo ganha-ganha seja estimulado. Os três setores têm como tarefa construir essas novas relações de forma orgânica. Cada setor depende do outro para a consecução do objetivo maior que é o de se construir uma sociedade justa. O Terceiro Setor permite esta atuação conjunta, daí o seu caráter revolucionário na transformação das relações econômicas e sociais.
Fonte:
http://www.iats.org.br/upload/revolucao_silenciosa.pdf

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