domingo, 17 de outubro de 2010

Aplicação de Recursos - Terceiro Setor

A DÚVIDA SOBRE O REGIME POLÍTICIO APLICÁVEL À EXECUÇÃO DOS RECURSOS PÚBLICOS PELAS ENTIDADES DE FINS NÃO ECONÔMICOS DA ÁREA DE SAÚDE (FINS NÃO LUCRATIVOS)
Há crescente confusão na sociedade brasileira ao tratar todas as pessoas jurídicas não lucrativas como ONGs. Em verdade, as pessoas jurídicas sem fins lucrativos podem ser qualificadas como OSCIP, Organização Social, Entidade Beneficente de Assistência Social, de Utilidade Pública (Federal, Estadual e Municipal), dentre outras formas.

A ONG, a OSCIP, a Organização Social, a Entidade Beneficente de Assistência Social, a de Utilidade Pública, são formas de ser referir inapropriadamente às pessoas jurídicas de fins não econômicos (sem fins lucrativos).

Apenas como informação, merecem destaques as Leis que tratam da Organização Social de Interesse Público – OSCIP (Lei 9.790/99), da Certificação de Entidade Beneficente de Assistência Social (Lei 12.101/2009 – Decreto nº 2.536/98 - revogado), do Título de Utilidade Pública Federal (Lei 91/35). A lei 9.790/99 veda que determinada pessoa jurídica possua cumulativamente a qualificação como Organização Social de Interesse Público e a Certificação como Entidade Beneficente de Assistência Social.

Entretanto, essas leis não criam novas PERSONALIDADES JURÍDICAS. O Código Civil Brasileiro, disciplina no artigo 44, as pessoas jurídica de direito privado, a saber: as associações; as sociedades (empresarias); as fundações; as organizações religiosas; os partidos políticos.

No ordenamento jurídico brasileiro, existem apenas duas formas jurídicas para a formação de instituições não-lucrativas com personalidade jurídica: a) as associações e b) as fundações.

As pessoas jurídicas de direito privado, de fins não econômicos, ao desenvolverem atividades de interesse público, passam a pertencer ao terceiro setor da sociedade.

“ Ensina o Dr. José Eduardo Sabo Paes:

‘Portanto, o Terceiro Setor é aquele que não é público nem privado, no sentido convencional desses termos; porém guarda uma relação simbólica com ambos, na medida em que ele deveria sua própria identidade da conjugação entre a metodologia deste com as finalidades daquele. Ou seja, o Terceiro Setor é composto por organizações sociais de natureza ‘privada’ (sem o objetivo lucro) dedicada à consecução de objetivos sociais ou públicos, embora não seja integrante do governo (Administração Estatal).’

No terceiro setor há o desempenho de atividades de interesse público, mas sob o regime de direito privado, sem a intervenção direta do Estado, que, no máximo, incentiva o terceiro setor.

Embora exerçam atividades de interesse público, não se deve falar que as entidades do terceiro setor sejam entidades públicas, no sentido mais restrito da palavra. Essas entidades não são pessoas jurídicas de direito público, na medida em que, apesar de suprirem uma eficácia do Estado, têm uma finalidade pública, mas não se identificam com ele ou com o regime que o Estado está sujeito.

Ainda que haja um reconhecimento da utilidade pública da entidade do terceiro setor, ou mesmo o tratamento como organização social (Lei nº 9.637/98), ou ainda organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP – Lei nº 9.790/99), não se deve falar em natureza pública das entidades do terceiro setor. Todas estas qualificações tem importância, mas não influem na natureza das entidades do terceiro setor, que são entidades de direito privado.” (Aspectos Jurídicos do Terceiro Setor – Ed. Thomson IOB. Coordenadores Cristiano Carvalho e Marcelo Magalhães Peixoto – Artigo: A Forma Jurídica das Entidades do Terceiro Setor. Autor Dr. Marlon Tomazette, fls. 205/206)

DA CONSTITUCIONAL PARTICIPAÇÃO COMPLEMENTAR DA INICITIATIVA PRIVADA NOS SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE

Dispõe a Constituição da República Federativa do Brasil sobre a ORDEM SOCIAL (Título VIII) , Da Saúde (Seção II), no artigo 199, que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada, podendo esta participar de forma complementar do Sistema Único de Saúde, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.

Constituição Federal

“Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

§ 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópizcas e as sem fins lucrativos.

§ 2º - É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos.”

Por sua vez, a Lei 8.080/90, conhecida como “lei orgânica da Saúde”, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências, reafirma os dispositivos constitucionais sobre a participação complementar da iniciativa privada, bem como acrescenta competência à Direção do Sistema Único de saúde, para estabelecer princípios e diretrizes, remuneração, cobertura assistencial, reajuste, observação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

LEI 8.080/90

“CAPÍTULO II
Da Participação Complementar

Art. 24. Quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde (SUS) poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada.

Parágrafo único. A participação complementar dos serviços privados será formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público.

Art. 25. Na hipótese do artigo anterior, as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos terão preferência para participar do Sistema Único de Saúde (SUS).

Art. 26. Os critérios e valores para a remuneração de serviços e os parâmetros de cobertura assistencial serão estabelecidos pela direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS), aprovados no Conselho Nacional de Saúde.

§ 1° Na fixação dos critérios, valores, formas de reajuste e de pagamento da remuneração aludida neste artigo, a direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) deverá fundamentar seu ato em demonstrativo econômico-financeiro que garanta a efetiva qualidade de execução dos serviços contratados.

§ 2° Os serviços contratados submeter-se-ão às normas técnicas e administrativas e aos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), mantido o equilíbrio econômico e financeiro do contrato.

§ 3° (Vetado).

§ 4° Aos proprietários, administradores e dirigentes de entidades ou serviços contratados é vedado exercer cargo de chefia ou função de confiança no Sistema Único de Saúde (SUS).”

Cumpre observar, que a pessoa jurídica de natureza privada, sem fins econômicos (fins não lucrativos), tem preferência por sua qualificação filantrópica, com respaldo constitucional, dentre as pessoas jurídicas da iniciativa privada, para prestar serviços de assistência à saúde aos usuários do Sistema Único de Saúde, mediante celebração de contrato administrativo ou termo de convênio com o poder público.

DA FORMALIZAÇÃO JURÍDICA DOS REPASSES FINANCEIROS ÀS ENTIDADES DO TERCEIRO SETOR

As pessoas jurídicas por estarem inseridas na atividade econômica, necessitam de recursos financeiros para cumprir seus objetivos sociais e de interesse público.

Dentre as possibilidades de recursos financeiros, encontra-se o recurso originário do Poder Público, que poderá se dar através de convênios, termos de parceria (somente para entidades qualificadas como OSCIP – Lei 9.790/99) e de contratos de repasse, para formalizar a transferência dos referidos recursos financeiros às entidades do Terceiro Setor.

“A doutrina é unânime em ressaltar que tanto os convênios quanto os termos de parceria não são contratos administrativos. Porém, seguem sem identificar satisfatoriamente a natureza jurídica desses ajustes, os quais, sem sombra de dúvidas, vinculam as partes e surtem efeitos jurídicos.

Entendemos que os convênios, os termos de parcerias e os contratos de repasse realmente não são contratos administrativos, nos termos da concepção clássica dominante ou da definição legal inserida no art. da Lei federal nº 8.666/1993. São acordos administrativos colaborativos, celebrados entre o Poder Público e entidades privadas sem fins lucrativos, tendo por função principal instituir e disciplinar vínculos de parceria entre o Estado e as organizações privadas não lucrativas para a realização de atividades de interesse público formalizando, quando for o caso, os repasses financeiros para tais entidades.”

(...)

“Em nosso ordenamento, a previsão normativa referente aos convênios remonta à Constituição de 1967, a qual determinava no § 3º de seu art. 13 que “a União, os Estados e os Municípios poderão celebrar convênios para execução de suas leis, serviços ou decisões, por intermédio de funcionários federais, estaduais ou municipais”.

Posteriormente, o Decreto-lei nº 200/1967 apontou os convênios como instrumentos para efetivar a descentralização das atividades da Administração federal para as unidades federadas (alínea (a), § 1º do art. c/c parágrafo 5º do art. 10).

O Decreto nº 93.872/1986 estabelece regras acerca dos convênios, dispondo em seu art 48 que “os serviços de interesse recíproco dos órgãos e entidades da administração federal e de outras entidades públicas ou organizações particulares, poderão ser executados sob regime de mútua cooperação, mediante convênio, acordo ou ajuste”. O art. 53 do ato normativo aludido estipula que “os órgãos da administração direta poderão fixar entendimentos sobre matéria de comum interesse, mediante convênio, com o objetivo de somar esforços e obter melhor rendimento no emprego de seus recursos”.

Além disso, de acordo com o art. 66 do Decreto nº 93.872/1986 depreende-se que eventuais repasses de recursos da União ou das entidades a ela vinculadas são formalizados por meio de convênios. Tais recursos são transferidos a entidades públicas ou privadas com a finalidade de viabilizar a realização de pesquisas, desenvolvimento de projetos, estudos, campanhas e obras sociais, ou para qualquer outro fim.

A Constituição de 1988 refere-se a convênios de cooperação entre os entes federados no art. 241, cumprindo à lei discipliná-los para viabilizar a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais á continuidade dos serviços transferidos.

Finalmente, o art. 116 da Lei nº 8.666/1993 trata dos convênios, dispondo em seu §1º que sua celebração depende de prévia aprovação de competente plano de trabalho proposto pela organização interessada, o qual deverá conter, no mínimo, as seguintes informações: (i) identificação do objeto a ser executado; (ii) metas a serem atingidas; (iii) etapas ou fazes da execução; (iv) plano de aplicação dos recursos financeiros; (v)cronograma de desembolso; (vi) previsão de inicio e fim do objeto, bem assim da conclusão das etapas ou fases programadas; e (vii) se o ajuste compreender obra ou serviço de engenharia, comprovação de que os recursos próprios para complementar a execução do objeto estão devidamente assegurados, salvo se o custo total do empreendimento recair sobre a entidade ou órgão descentralizador.

Ora, depreende-se da disciplina normativa apontada que no sistema administrativo brasileiro resta evidenciada a multifuncionalidade do convênio.

Os convênios muitas vezes formalizam tão-somente a transferência de recursos financeiros de uma entidade federativa para outra entidade federativa ou administrativa (transferências voluntárias). Por outro lado, conforme foi ressaltado, como acordo administrativo colaborativo, o convênio é utilizado largamente para a formação de vínculos de colaboração com quaisquer tipos de entidade privadas, com ou sem fins lucrativos, independentemente de serem detentoras de uma colocação especial prévia.”

(Direito do Terceiro Setor: Atualidades e Perspectivas. OAB-PARANÁ. Comissão de Direito do Terceiro Setor. Coordenador Gustavo Henrique Justino de Oliveira. Organizadores Rodrigo Pironti Aguirre de Castro e Tarso Cabral Violim. Artigo: O Terceiro Setor e a Gestão Privada de Recursos Públicos para Fins Públicos. Autor: Dr. Gustavo Justino de Oliveira, fls. 124/129)

Diante do exposto, o Poder Público tem formalizado, de forma mais habitual, o repasse de recursos financeiros por instrumento particular de Convênio, com especial atenção dos valores transferidos, em face da prestação de serviços aos usuários do Sistema Único de Saúde.

RECEITAS PROVENIENTES DO CONVÊNIO CELEBRADO ENTRE O MUNICÍPIO DE CURITIBA E A LIGA PARANAENSE DE COMBATE AO CÂNCER E A OBRIGATORIDADE OU NÃO-OBRIGATORIEDADE DO CUMPRIMENTO DA LEI 8.666/93

Portanto, por ser mais recorrente, concentramos a análise na formalização dos repasses financeiros através de Termo de Convênio.

A Lei n° 8.666/93, ao regulamentar os artigos 22, inciso XXVII, e 37, inciso XXI da Constituição da República, definiu normas gerais de licitações e contratos da Administração Pública direta e indireta da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Assim, com o objetivo de garantir a fiel observância ao princípio constitucional da isonomia e de selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração Pública, a conhecida Lei de Licitações passou a prescrever determinados procedimentos a serem respeitados e seguidos pelo Poder Público quando da contratação com particulares, de alienações, compras, obras e serviços, etc.

No âmbito federal, esse assunto já foi discutido, sobretudo, pelo Tribunal de Contas da União – TCU num processo de levantamento de Auditoria (exercício de 2002) em relação aos Convênios e possíveis irregularidades quanto à obrigatoriedade das entidades privadas receptoras de recursos públicos oriundos de convênios se submeterem às normas de licitação.

A ampla discussão resultou no Acórdão nº 1070, de 06 de agosto de 2003 – Plenário (primeiro entendimento). Segue-se abaixo a ementa:

“Ementa: Levantamento de Auditoria. Instituto do Coração. Obras de implantação de Unidade do Instituto do Coração – InCor, no DF, nas dependências do Hospital das Forças Armadas. Ausência de indícios de irregularidades graves ou dano ao erário. Falta de realização de licitação. Prazo para adoção de providências. Arquivamento.

- Entidades privadas investidas da condição de gestoras de recursos públicos. Análise da matéria.

.............................

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão Plenária, em:

(...)

9.2. com fundamento no art. 71, inciso IX, da Constituição Federal, regulamentado pelo art. 45 da Lei 8443/92, fixar prazo de 30 (trinta) dias para que o Secretário da Secretaria do Tesouro Nacional/STN dê exato cumprimento à Lei, adequando o parágrafo único do art. 27 da IN/STN nº 01/97, publicada no DOU de 31 de janeiro de 1997, ao art. 37, inciso XXI da Constituição Federal que exige lei específica na realização de licitação, no caso a Lei 8666/93, quando da aplicação de recursos públicos, ainda que geridos por particular, sob pena de aplicação da multa prevista no art.45 c/c o art. 58, inciso II da mesma Lei;”

Em cumprimento ao que fora determinado pelo TCU, a STN fez publicar a IN nº 03, de 25/09/2003, que, entre outras coisas, deu nova redação ao citado art. 27 da IN/STN nº 01/97 (redação atualizada já descrita).

Entretanto, seguindo-se a determinação e na seqüência do r. Acórdão – momento anterior às providências que foram adotadas pela STN – o Ministério Público junto ao TCU apresentou Pedido de reexame a fim de tornar insubsistente o item 9.2 do referido Acórdão 1.070/03-P, argumentando que a Lei 8666/93 não se aplica ao particular – e que, portanto, a redação original do art. 27 da IN/STN nº 01/97 era adequada ao ordenamento jurídico vigente.

O recurso só foi apreciado na sessão do dia 06 de abril de 2005. O Plenário, acolhendo proposta do relator, Min. Walton Alencar Rodrigues, deu provimento parcial ao recurso, conferindo a seguinte redação ao item 9.2 da deliberação recorrida, mediante Acórdão nº 353/2005 – Plenário/TCU (segundo entendimento), a seguir descrito:

“ACORDAM os Ministros do Tribunal da União, reunidos em sessão Plenária, diante das razões expostas pelo Relator e com fundamento no art. 48 c/c art.33 da Lei 8443/92 e no art.286 do Regimento Interno, em:

9.1. conhecer do presente recurso e dar-lhe provimento parcial;

9.2. atribuir aos subitens 9.2 e 9.3 do Acórdão 1070/03 – Plenário a seguinte redação:

“9.2 firmar entendimento de que a aplicação de recursos públicos geridos por particular em decorrência de convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, deve atender, no que couber, às disposições da Lei de Licitações, ex vi do art. 116 da Lei 8666/93;

9.3. arquivar os presentes autos;”

9.3. recomendar à Presidência da República, tendo em vista a competência prevista no art. 84, inciso IV da CF/88, que proceda à regulamentação do art.116 da Lei 8666/93, estabelecendo, em especial, as disposições da Lei de Licitações que devem ser seguidas pelo particular partícipe de convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, nas restritas hipóteses em que tenha sob sua guarda recursos públicos;

9.4 (...);

9.5 (...).”

Voto do Ministro Relator

(...)

No mérito, acolho integralmente o parecer do Ministério Público.

A Constituição Federal de 1988, consagrando os princípios da igualdade, legalidade, moralidade e eficiência administrativa, estabeleceu, no art. 37, inciso XXI, que, ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações efetuados pela administração pública serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes (...).

No âmbito da administração pública federal esse dispositivo constitucional foi regulamentado pela Lei 8.666/93, cujas disposições, pelo art. 116 dessa Lei, são aplicáveis, no que couber, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração.

Como está muito bem explicitado no relatório, esse comando não é aplicável para a celebração de convênios que, por suas características, pressupõe evento de interesse recíproco, executado em regime de mútua cooperação (art. 10, § 5º, do Decreto-Lei 200/67), em relação aos quais a doutrina consagra a inexigibilidade de licitação (Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Temas Polêmicos sobre Licitações e Contratos, 5ª edição, p. 347).(g.n.)

(...)

Não significa dizer que o particular, ao aplicar recursos públicos provenientes de convênios celebrados com a administração federal, esteja sujeito ao regramento estabelecido na Lei 8.666/93. No entanto, sendo a licitação imposição de índole constitucional ela não representa apenas um conjunto de procedimentos como se estes fossem um fim em si mesmos. Representa fundamentalmente um meio de tutelar o interesse público maior que tem por meta garantir o cumprimento dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência que devem estar presentes em qualquer operação que envolva recursos públicos.

(...)

Acrescenta o Dr. Gustavo Justino de Oliveira:

“Outra questão polemica em matéria de convênios é a legalidade da instrução normativa da secretária do tesouro nacional nº 1, de 15 de janeiro de 1.997, a qual disciplina a celebração de convênios de natureza financeira que tenham por objeto a execução de projetos ou realização de eventos e da outras providencias (Diário Oficial da União de 31.01.1997).

O ato normativo assinalado estabelece no inc. I do § 1º do art. 1º que “para fins desta instrução Normativa, considera-se: I – convênio instrumento qualquer que discipline a transferência de recursos públicos e tenha como partícipe órgão da administração pública federal direta, autárquica ou funcional, empresa pública ou sociedade de economia mista que estejam gerindo recursos dos orçamentos da união, visando a execução de programas de trabalho, projeto/atividade ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação.

A instrução aludida, muitas vezes, é referida na prática administrativa como sendo além dos convênios “sic”, pois, a pretexto de veicular regras que seriam necessárias à execução do Decreto nº 93.872/1986, “visando a padronização e a uniformidade de procedimentos” (art. 155 de referido Decreto), acabou originando uma série de obrigações, restrições e proibições as quais, em que pesem os argumentos em contrário, somente poderiam ser instituídas pela via legislativa.

Eis um exemplo dessa ilegalidade: segundo a IN nº 01/97-STN, no caso de celebração de convênio entre o poder público e uma entidade privada sem fins lucrativos (mesmo qualificada como Oscip), existe a determinação de que os recursos públicos repassados sejam aplicados mediante realização de licitação.

Tal determinação encontra-se prevista no artigo 27 da Instrução Normativa da Secretaria do Tesouro Nacional nº 1/1997, alterada pela IN nº 3/2003, que dispõe que “o conveniente, ainda que entidade privada sujeita-se, quando da realização de despesas como recursos transferidos, às disposições da Lei 8.666, de 21 de junho de 1.993, especialmente em relação a licitação e contrário, admitida a modalidade de licitação prevista pela Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, nos casos em que especifica”.

Pois bem, obrigar uma entidade privada a realizar licitação, mesmo partindo-se pressuposto de que é ela uma gestadora de recursos públicos para fins públicos, não representa hipótese de competência que possa ser exercida no âmbito de poder regulamentar da Administração Pública. A instituição desta obrigação/restrição aos particulares, e sua veiculação – em respeito aos arts. 22, inc. XXI, ambos da Constituição da República, e em respeito ao Par. único do art. 1º da Lei federal nº 8.666/1993 (entre outros artigos) – somente poderia ser realizado pela via legislativa, e jamais pela via infralegislativa!” (...)

(Direito do Terceiro Setor: Atualidades e Perspectivas. OAB-PARANÁ. Comissão de Direito do Terceiro Setor. Coordenador Gustavo Henrique Justino de Oliveira. Organizadores Rodrigo Pironti Aguirre de Castro e Tarso Cabral Violim. Artigo: O Terceiro Setor e a Gestão Privada de Recursos Públicos para Fins Públicos. Autor: Dr. Gustavo Justino de Oliveira, fls. 124/129)

A construção jurídica desse entendimento, apesar de calorosa discussão jurídica, atualmente se encontra aplicada pela praxis da prestação de contas perante os Tribunais de Contas de todo o país. Por sua vez, o Tribunal de Contas do Estado do Paraná, em razão do Provimento nº 02/2004 - que Dispõe sobre a prestação e tomada de contas referentes às transferências, a qualquer título, tais como subvenções, auxílios e convênios, feitas pelo Estado do Paraná a entidades de direito público ou privado e dá outras providências. (Publicado no D.O.E. nº 4.292, de 27.6.94, p. 3) - corrobora a não submissão das pessoas jurídicas de fins não econômicos (não lucrativos) aos ditames da Lei 8.666/93, consoante disposição do item abaixo transcrito:

“4.3. ENTIDADES PRIVADAS – ATENDIMENTO AO PRINCÍPIO DA ECONOMICIDADE

Ressaltamos que as entidades privadas, apesar de não sujeitar-se aos ditames da Lei de Licitações nº 8666/93, quando manuseiam recursos públicos, obrigam-se dar cumprimento ao princípio da economicidade, conforme disposto no Provimento 29/94, abaixo transcrito:

Provimento 29/94-TC – art. 2º, parágrafo 4º:

No caso de entidades privadas, como não estão sujeitas ao procedimento licitatório, fica o responsável pela aplicação dos recursos públicos, obrigado ao atendimento do princípio de economicidade, justificando expressamente a opção utilizada, sob pena de responsabilidade pelo ato de gestão antieconômica.”

Ainda, a título de informação, não se enquadra os recursos destinados aos serviços prestados aos usuários do Sistema Único de Saúde como transferência voluntária, mesmo que mediante a celebração de Termo de Convênio, uma vez que o artigo 2º exclui essa possibilidade, na forma da Resolução nº 03/2006, do TCE-PR - que regulamenta os arts. 162, § 2º, 228, 229, 230 e 295, todos do Regimento Interno do Tribunal de Contas, e dispõe sobre a fiscalização das transferências voluntárias estaduais e municipais repassadas às entidades da Administração Pública, ou às entidades privadas sem fins lucrativos, e dá outras providências, a saber:

“Art. 2º. Para os fins desta Resolução, considera-se:

I – Transferência voluntária, o repasse de recursos correntes ou de capital por entidades da Administração Pública Estadual ou Municipal a outra pessoa jurídica de direito público ou privado da Administração Pública Federal, Estadual ou Municipal, ou a pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, a título de convênio, auxílio, acordo, cooperação, subvenção social, ajustes ou outros instrumentos congêneres, que não decorra de determinação constitucional ou legal ou os destinados ao Sistema Único de Saúde; “

Atualmente, o Decreto 6170/07, em, seu artigo 11, dispõe que as pessoas jurídicas privadas, sem fins lucrativos, deverão seguir princípios comuns à administração pública, a saber:

“Art. 11. Para efeito do disposto no art. 116 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a aquisição de produtos e a contratação de serviços com recursos da União transferidos a entidades privadas sem fins lucrativos deverão observar os princípios da impessoalidade, moralidade e economicidade, sendo necessária, no mínimo, a realização de cotação prévia de preços no mercado antes da celebração do contrato.”

CONCLUSÃO

O ordenamento jurídico é construído diariamente. As normas e respectivas interações sociais são dinâmicas. No terceiro setor, essa dinâmica tem grande destaque nas relações entre o Poder Público e as pessoas jurídicas de fins econômicos (não lucrativos), em face da necessidade premente de atender as finalidades públicas e sociais do modo mais eficaz pela administração pública.

Debates entre os defensores da estatização dos serviços de saúde e dos defensores da maior participação complementar das entidades sem fins lucrativos têm garantido repercussão nacional e tema de agenda política e jurídica no Brasil.

Apesar das iniciativas da sociedade em atender finalidades públicas há muitos séculos - a exemplo das Santas Casas de Misericórdia, desde o século XVI - é certo que os contornos jurídicos do Terceiro Setor, no ordenamento jurídico brasileiro, são recentes e merecem atenção dos juristas, do Poder Público e dos cidadãos, haja vista que as entidades do terceiro setor podem se transformar numa poderosa ferramenta na busca de alternativas, a fim de prevalecer a gestão eficaz sobre a forma rígida da organização administrativa, com o objetivo de atender os cidadãos brasileiros.

Autor: Maçazumi Furtado Niwa, advogado, sócio administrador de Niwa & Advogados Associados, Presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado do Paraná.

Fonte: http://www.niwaadvogados.com.br/artigos/a-duvida-sobre-o-regime-juridico-aplicavel-a-execuc-o-dos-recursos-publicos-pelas-entidades-de-fins-n-o-economicos-da-area-de-saude-fins-n-o-lucrativos

Nenhum comentário:

Postar um comentário